segunda-feira, 10 de junho de 2013

Fotografia: à procura de uma linguagem pessoal

junho 10, 2013 | por Cid Costa Neto


Gabriel e Nena – Brasília, 1991 (Luis Humberto/Reprodução/Veja)

Quando estava me formando em Artes Plásticas com habilitação em fotografia, descobri por acaso, na biblioteca da escola, o livro “Fotografia: Universos e Arrabaldes”, do fotógrafo Luis Humberto. Ele me serviu para a pesquisa de trabalho de conclusão de curso e quase 5 anos depois, ainda tem sido útil para minhas pesquisas pessoais e para ministrar aulas relacionadas à criatividade na fotografia.

Esta publicação, embora escrita em 1983, quase 20 anos antes da popularização dos dispositivos de fotografia digitais, já anunciava a transformação da criatividade a partir da transformação dos instrumentos de construção de imagem. Em meio a tantas publicações relacionadas à técnica fotográfica, Humberto concentra-se nas questões comportamentais que levam o fotógrafo a construir uma imagem, desde sua relação com o tempo que vive e seus interesses pessoais.

Como a publicação não teve outra edição e só podem ser encontrados alguns poucos exemplares em sebos, resolvi transcrever aqui um breve capítulo que acho bastante interessante para quem tem intenção de produzir um trabalho autoral:

FOTOGRAFIA: À PROCURA DE UMA LINGUAGEM PESSOAL

   A razão principal para a busca de uma linguagem pessoal, em qualquer forma de expressão, é a necessidade que todos sentem de dizer as coisas a seu modo, contribuindo com uma visão original e significativa.
   E por que isso não ocorre ao nível do anseio geral? No caso específico da fotografia por questões não só do mercado mas em razão de posturas culturais deformadas, tão restritivas, que impedem o desenvolvimento de novos talentos. Isso elimina a possibilidade de maturação de um número maior de pessoas, bem dotadas e seriamente envolvidas com a produção de imagens.
   Um grau de alto comodismo, associado à subserviência a padrões estratificados, continuadamente impostos, faz com que as pessoas se esqueçam ou mesmo deixem de acreditar em suas possibilidades criativas. Inicia-se então um processo repetitivo de coisas já vistas.
   O exercício, permanente, do ato de ver tem, necessariamente, de ser uma ação livre e autêntica.
   Em razão das condições reais de aproveitamento do trabalho profissional, este não pode ser confundido com a produção de expressão pessoal, se bem que, em tese, nada devesse impedi-lo. Na verdade o trabalho profissional é avaliado e julgado, o tempo todo, por pessoas sem a qualificação mínima para fazê-lo. O produto da expressão pessoal só depende de nós, de nossos critérios e decisão. Visando a nossa satisfação, é concebido e realizado sem nenhuma preocupação mercantilista.
   Isso deveria nos liberar de qualquer tipo de compromisso e, portanto, refletir uma face verdadeira da riqueza de nosso universo pessoal, só não acontecendo em razão da maldita preocupação de parecermos brilhantes e especiais aos olhos dos outros, o que nos leva à falsificação.
   Por que então abandonamos com tanta freqüência a possibilidade de assumir nossas características individuais? Talvez pela aparente facilidade de reconhecimento que nos é acenada quando encapamos fórmulas consagradas. A aceitação geral não pode, de modo algum, ser objetivo primordial. Quando muito, uma conseqüência que também pode corromper.
   O ato criativo é contínuo, sem fim. É um interminável processo paradoxal de afirmação e negação. A descoberta sempre renovada nega a anterior. Envolve felicidade e questionamento. Não podemos nos deter e viver coisas que passaram. Elas são referências para o andamento de um trabalho que envolve toda uma vida.
   Por isso, considerar com zelo excessivo uma possível consagração é vicioso e pode desintegrar toda a seriedade de uma proposta.
   O encontro de uma linguagem pessoal só pode ser alcançado a partir do momento em que, maduramente, aceitamos nossos limites e desenvolvemos nossas capacidades potencialmente mais promissoras, a partir do exercício continuado e sempre renovado da visão limpa. Sem nenhum compromisso, a não ser com a nossa integridade.
HUMBERTO, Luis. Fotografia: Universos e arrabaldes. Funarte. 1983. p.70 e 71.