domingo, 6 de dezembro de 2015

Walter Astrada e a volta ao mundo em mais de 80 fotos

dezembro 06, 2015 | por Unknown


O que leva uma pessoa a deixar a rotina de sua vida e seu trabalho – nem que seja de forma parcial – a embarcar em uma viajem de moto ao redor do mundo? Motivos pessoais, inquietudes profissionais e uma paixão crescente por motos desencadearam no fotojornalista Walter Astrada o interesse por dar a volta ao mundo sobre duas rodas levando sua câmera (por razões de peso, somente um corpo reflex com duas objetivas de 35 e 50mm) e um notebook de 11 polegadas.

E nisto anda o argentino desde maio, quando partiu de Barcelona encima da Atenea, como foi batizada sua moto, uma Royal Enfield Classic com a qual cruzou o continente euroasiático até chegar a Vladivostok. Desde aí atravessou a finais de setembro o Mar do Japão em barco até a Coreia do Sul.


Nesta primeira parte da viajem o conta quilômetros de Atenea já indicava que rodaram juntos 26.684 km. Tranquilo não só por seu caráter habitual, senão também pela calma com que fala das dificuldades da viajem em moto. “Perigoso, não. Difícil, diria eu. É duro pelas quedas, os choques”, conta.

Astrada, ganhador de nada menos que três prêmios World Press Photo, gosta de falar dos momentos de azar da viajem com sua companheira: “A partir de Usbekistão, exceto na Rússia, as estradas estavam muito mal. Ou quase não haviam. Travam as rodas ou derrapa e você cai, mesmo não viajando muito rápido. E ao final tem que levantar a moto sozinho.”

Tem que levar em conta outro clássico das grandes viajens em moto: o clima. “Comecei na primavera, e durante a viajem tive temperaturas de até 45 graus em Usbekistão enquanto cruzava sua parte desértica. Agora, ao princípio do outono, já cheguei a temperaturas negativas.” E está chegando o inverno.




Outro aspecto importante desta viajem é a liberdade com a qual a enfrento: “A rota está improvisada completamente. Só tinha claro o início e o final da primeira parte, Barcelona e Vladivostok (no extremo sul oriental da Rússia). Haviam alguns lugares que queria visitar, como os Balcanes, Atenas, Estambul, Tibilisi (Tiflis) ou uma parte da Rota da Seda em Usbekistão, mas entre estas etapas da rota, fui marcando dia a dia.”

A solidão também é capital nesta aventura: “É parte da viajem e não é algo ruim. Muitas vezes me permiti ter tempo para analisar coisas que quanto estou acompanhado não posso. Te obriga a abrir-se e estar sempre atento ao que te rodeia, e enfrentar a situações diferentes porque não fala o idioma ou tem que resolver algum problema.” Apesar que nem tudo é sentir-se só: “Se cruza com muitas pessoas, e muitas vezes não poderia haver seguido se não fosse a ajuda de outros.”

Os vistos, o seguro da moto em diferentes países, um par de incidentes com troca de peças para Atenea e o tempo que queria investir para percorrer os dois primeiros continentes foram as únicas condicionantes desta primeira parte. “No Google Maps escrevi o lugar de saída e o de chegada e moví a rota pelos países que cruzaría. Tendo em conta os 23.000 km que daria, oque fiz foi dividir em 150 dias, oque deu uma média de uns 160 km por dia. Mas em alguns lugares estive mais tempo. Isso significa que em alguns dias percorri 500 km.





O argentino confessa que alguns lugares o surpreenderam de forma muito gratificante, e inclusive sua voz mudou ao falar da cidade turca: “Estambul é impressionante! A mistura entre Europa e Ásia é interessante. Os turcos são muito amáveis, e as pessoas também ajudam que você goste mais de um lugar doque outro. Pois eu mesmo cada dia gosto menos das cidades grandes, mas me pareceu uma cidade fantástica.” Astrada destaca também o país do Grande Kan: “Um país que tinha muita vontade de percorrer era a Mongolia. Estive 22 dias, e a verdade é que foi pouco tempo. Estou desejando dar toda a volta para voltar a percorrer a outra parte do país que me falta.”

Através das fotografias que tomou nestes lugares se pode ter ideia de como deve ter se sentido. Assim, enquanto nas imagens de Estambul as pessoas são protagonistas e se respira nelas o caos de uma cidade urbana de quase 15 milhões de habitantes, as montanhas, as ranhuras, as pessoas e os animais transmitem harmonia e calma nas fotos da paisagem mongol.

Outros lugares não previstos inicialmente no caminho podem trazer surpresas agradáveis. Como a Estrada Militar em Georgia. “Improvisei o caminho e continuei pela Rússia em vez de voltar a descê-la até Azerbajão. A paisagem é espetacular!


Fotografias e textos – as primeiras mais abundantes – percorrem esta experiência. “Não faço vídeo porque não queria passar o dia diante do computador editando, e escrever gasta meu tempo e necessito tempo para guiar a moto e fazer fotos.” Astrada depende de um acesso a internet para manter o Blog atualizado, mas nem sempre isto está garantido.

As fotografias curiosamente em preto e branco. “Quase sempre trabalhei a cores, e este é um projeto sem um tema em concreto, mais aleatório, em que vou fotografando oque me chama a atenção. E gostaria de fazer-lo em preto e branco. Também me permite maior variação quanto a temperatura (da cor). Se tivesse feito a cores, haveriam fotos ao meio dia que teriam sido muito complicadas e teria ficado pouco homogêneo. O preto e branco me permite trabalhar como um projeto mesmo que as fotos tenham sido individuais, e queria também diferenciar este de outros projetos.

O plano é que não há plano

“Ao não ter um tema específico depende muito da sorte, de encontrar-me com algo interessante. O plano é que não existe plano, e isto é oque eu gosto na verdade.” Astrada está desfrutando da viajem, e isso se nota nas imágens. As cenas onde o espaço é protagonista e a ação secundária tem grande presença. Não faltam silhuetas de pessoas, um pouco de street photografy nas cidades, fotografias atmosféricas (muitas vezes em clave baixa) e paisagens desoladas de ranhuras e montanhas que apresentam magia e orações próprias da Ásia Central.

“Eu gosto muito de fazer fotografias quando não há pessoas. Todo meu trabalho está baseado em fotografar pessoas. Mas justamente as fotos que eu mais gosto desta viajem são aquelas que não apresentam pessoas. Eu gostei muito de uma foto de uns lencóis que fiz em Armenia (em Noratu), a do carro (em ktismata, Grecia), a do Prozor (na Croacia)...Mas normalmente necessito que tenha alguém e que esteja fazendo algo.”



Tem outras muitas cenas que tem pessoas que chamam a atenção: O Lada solitário pouco antes do cair da noite em frente a uns containers de Osh, em Quirguistão, as cadeiras e mesas vazias de um restaurante iluminado pelas luzes noturnas que caem por uma janela, na localidade russa de Kosh Agach, as portas de ferro abertas que davam acesso a um parque de atrações abandonado que em Baikalsk, a margem do lago Baikal, que dão a sensação de final de trajeto, ou a tranquilidade e a calma que transmite a lua cheia sobre as montanhas e as ranhuras mongois, perto do lago Üüreg.

A meio caminho entre estas fotos e as que tem as pessoas como protagonistas estão outras em que a presença de uma pessoa (ou um animal) destacam a importância da geometria e da composição, dão dimensão humana a cena e reforçam a idéia de solidão de uma viajem assim.

É o caso do cachorro encharçado que atravessa uma estrada descomposta e cheia de poças em Davi (Mongolia) ou o ponto de luz de uma moto que se aproxima pelas trilhas que servem de caminho perto do lago Üüreg. Também essa mulher que lê na metade de uma ponte que inspira pouca confiança sobre o rio Gulcha, em Quirguistão, ou o menino que corre meio que brincando em umas rochas sinuosas em Capadocia.

Financiamento

“Quando você não tem nem sua própria sombra como compania”, explica Astrada no seu blog, daí se deduz a diferença entre viajar sozinho através de grandes estenções praticamente despovoadas ou por uma metrópole.

O fotógrafo conta-nos divertindo-se: “Percorrendo Mongolia, tirando a capital e uma ou outra cidade maior, os pequenos saem correndo dos gers (as clássicas barracas do país) para cumprimentar. No tráfico de Ulán Bator, procurando o pequeño hotel onde iria ficar, ví um menino no ônibus. Minha reação típica foi cumprimentar, e ele me olhou como que dizendo: “E este corajoso porque me cumprimenta”.”


Uma viajem desta dimensão necessita financiamento adequado, e a ideia de Astrada é que suas fotos gerem dinheiro a medida que avança em sua peripécia. Descartada a ideia do patrocínio antes do início (“era demasiada pretensão e muito difícil que alguém colocasse dinheiro sem ver fotos”), então se propôs o inverso, e obter rentabilidade das imagens que fosse fazendo.

“As pessoas podem comprar a foto que queiram a partir de uma determinada quantia. Também me ocorreu os ítens que as pessoas colaboram sem receber uma imagem em troca, mas eu não descreveria como se fosse uma assinatura de uma revista de viagens. Por enquanto tem funcionado bem. A parte das doações é a que tem dado maior resultado, enquanto que a venda de fotos nem tanto ainda.”

As oficinas de fotografia também são outra forma de financiamento: “Nesta primeira parte da viajem era complicado pelo problema dos vistos, mas na Índia estou tentando organizar um e também na Tailândia.” A publicação de um livro é algo desejado quando Astrada finalize a viajem: “Ainda é cedo para falar, mas creio que terminarei fazendo um livro com as fotos e o texto.”


Terminada esta primeira etapa européia e euroasiática, agora encaro a segunda fase no sudeste asiático, uma terceira na América Latina (dependendo do dinheiro, também nos Estados Unidos) e uma última no continente negro. “É olhar muito adiante, mas se tudo for bem e tenho dinheiro, o ideal seria fazer África ou uma parte dela.”

Antes de acabar a conversa Astrada destaca a esse conjunto de pessoas anônimas que vivem em terras inóspitas. “A 200 km em volta não existe nada, mas teem sua vida, sua família. Sem eles eu não poderia ter continuado minha viajem: não haveria encontrado um posto de gasolina no meio do nada e onde comprar comida. Na entrada de Uzbekistão, em um lugarejo na fronteira onde não havia nada, um homem me ajudou a concertar minha moto. Todas as pessoas que vivem em lugares afastados tem este capacidade, que na Europa por desgraça nós perdemos, de improvisar com o mínimo. Para eles qualquer coisa tem um valor terrível.”

Fonte: Quesabesde