sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Ellen Kuras, emoções, metáforas e narrativas fotográficas

setembro 03, 2021 | por Adriana Vianna


Apresentar histórias no suporte da fotografia é abraçar elementos mais profundos sobre pessoas, lugares, eventos. A narrativa fotográfica é diferente, ela não conta somente o que aconteceu e como aconteceu, ela mostra como as pessoas estão lidando com o que aconteceu. A captura das imagens e também o que é deixado de fora do quadro, tem imenso valor. Fotografar é viver do gesto do corte. Os cortes constituirão a história fotográfica, e o modo como a história será contada dependerá exatamente do corte e da colagem entre cenas.

O processo tem muitas fases: planejar, fotografar, editar, finalizar. A prática não é tão simples. Cada etapa precisa de cuidados pontuais para que a história alcance o coração da obra: poesia, filosofia, emoção que humaniza. Para isso existem tipos de pacotes e ensaios fotográficos acompanhados de textos, ou histórias fotográficas com imagens que dispensam mil palavras. Também existem muitos métodos fotográficos, assim como existem muitos métodos literários - nenhum método é chave que abre de igual modo para todos. Por isso escolhi a fotógrafa Ellen Kuras para desse tema. 


Ellen Kuras é uma fotógrafa que tem chaves próprias para narrativas fotográficas. Ela trabalhou com grandes diretores e tornou-se inesquecível com as imagens do inesquecível “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” (Eternal Sunshine) de Michel Gondry. Ela é a primeira fotógrafa da nossa lista que deixa pistas de seu processo artístico.

Neste artigo faço um brevíssimo resumo da adaptação que fiz, de seu workshop, para uma aula lecionada no Grupo de Estudos Imago.



Metáfora visual

Para começar a pensar num projeto fotográfico narrativo é importante entender que “as imagens devem sempre refletir o significado da história”, diz Ellen. É importante não se envolver tanto com a técnica, com a forma e com as ferramentas, a ponto de esquecer o que está tentando dizer. Se, atualmente, alguém pode contar uma história visual com um iPhone, então a pergunta é: “o que o distingue de outra pessoa?”  

Entendemos que a resposta está no “ponto de vista” que cada um tem e revela nas escolhas que faz para modelar as emoções que atravessam a história, pois é a subjetividade que cria a metáfora visual que vem para dar corpo concreto a uma impressão. O olho capta o real, a câmera revela o que o olho capta, mas é a fotografia que revela a imagem do olho. “Ver” é a morte de um olho para ver com outros olhos, na tentativa de trazer ao campo visual o instante de um apagamento do olhar. 


Compreenda a visão de autor

“Não se trata de criar planos; trata-se de tentar criar a história usando a câmera e a iluminação”, diz Ellen. Muitas técnicas ajudam na expressão visual e para escolher as técnicas que serão usadas é importante ter intimidade com a história, intimidade cultural, saber e compreender os sentimentos que envolvem pessoas e lugares do que vai ser narrado. Por isso o tempo de preparação e de imersão precisa ser o mais longo possível para entender que cada foto tem sua própria história e é parte de uma história maior que dependerá dela para unir o sentido e oferecer a quem vai ver a oportunidade de revivê-la interiormente. 



Não confie apenas em “reaction shots”

Esse tipo de fotografia destaca momentos-chave da história como um ponto de exclamação que dá pistas para que o público descubra rapidamente o pensamento mais íntimo da cena. É preciso estudar toda a situação e sua circunstância. Esse estudo é preenchido com mil perguntas sobre todas os sentidos do que vamos fotografar. “De quem é a história? Qual é o ponto de vista a partir do qual essa história será contada? Estamos por cima dos ombros dos personagens? Estamos na cabeça deles? Estamos observando de longe? É um ponto de vista consciente próximo ou distante?”



Os efeitos na câmera podem ser mais emocionais

“Cada foto que você faz é um círculo, tem começo, meio e fim.” Usar efeitos tangíveis na câmera tem um benefício mais importante que os “erros felizes” que ocorrem no mundo analógico, pois os efeitos pensados incentivam o sentimento, assim como as cores. “Permita-se sentir algo”, disse Kuras. "Permita que seja áspero, e pronto. Permita-se ser emocional quando estiver fotografando.” Você pode fazer fotos bonitas, mas isso não significa necessariamente que seja um trabalho orgânico. Quando grande parte da história se passa em algum lugar entre a memória e a realidade, há espaço - e talvez, até mesmo, uma necessidade - de brincar com os efeitos da câmera.

Você não precisa usar só lentes primárias

Ao contrário do que dizem os amantes das fotografias analógicas, use as lentes com zoom também. “Você deve usar tudo o que sentir. Siga sua intuição. Esse é o seu ponto de vista.”

A solução criativa de problemas deve ser a melhor ferramenta

Se você não sabe de algo, então é muito importante fazer perguntas. Descobrimos que isso pode ser muito mais útil do que ser um obstáculo para solucionar problemas artísticos. O desafio criativo deve se tornar parte dos recursos criativos e não algo que impede de realizar a arte fotográfica. 



Não seja idiota

Por fim, a regra número um da Ellen Kuras para ter sucesso com narrativas visuais: “Não seja idiota”. Se não sabe o que fazer, faça perguntas, mantenha um diálogo franco e interessado.