quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Entrevista: Andre Arruda

outubro 05, 2011 | por Cid Costa Neto


Carioca, formado em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo Audiovisual, o fotógrafo Andre Arruda já trabalhou em jornais importantes, como o Jornal do Brasil e O Globo. Atualmente trabalha na área publicitária e editorial, mas sem deixar de lado o trabalho autoral, onde tem liberdade de expressar sua criatividade em ensaios como o Fortia Femina e no livro 100 coisas que cem pessoas não vivem sem. Suas fontes de inspiração são as mais váriadas.

Como foi o seu primeiro contato com a fotografia e como foi a decisão de se profissionalizar?

AA. Meu pai tinha uma TLR BeautyFlex, imitação japonesa da Rolley, e fiz algumas fotos com ela quando criança. Cheguei inclusive a tentar fazer uma estória em quadrinhos com avioes da II guerra, modelos de montar Revell, que é claro, não ficaram técnicamente boas. Me lembro até hoje da imensa sensação de dificuldade daquela tarefa. Um dia a câmera pifou e não tinha conserto. Como a família não tinha recursos, ficou-se sem equipamento mesmo. Depois, somente na faculdade tive contato com fotografia, numa aula de fotojornalismo. Nos foi mostrada uma série de fotos de HCB e aquela imagética foi como se eu tivesse aprendido uma língua nova instantaneamente. No curso de jornalismo comecei a me interar da fotografia e pouco tempo depois resolvi ser fotógrafo. Mal sabia da fria em que estava me metendo.

Como surgiu a oportunidade no meio editorial?

AA. Antes tive um experiência amarguíssima. Fui em um determinado jornal levando meu humilde portifolio, basicamente um ensaio sobre Copacabana. Depois de dias tentando, consigo uma hora para conversar com o editor. Chego lá, quem me atende é um coordenador, que abre a pasta, folheia as fotos com o desdém de um delegado de polícia, e ainda vira pro lado, falando com outra pessoa: “O teu vascão ontem, hein?” Joga a pasta na mesa e diz secamente: “Serve não”. Volto pra casa com a pasta “pesando uns 100 kg” e com uma decepção knock down. Uns dois anos depois, já na lida do jornalismo, encontrei o sujeito do “serve não” numa cobertura qualquer e o pessoal foi almoçar e ele não tinha grana: acabei pagando o almoço dele. O ensaio que não serviu ganhou um prêmio na Funarte, outro da UFF e foi publicado em quatro páginas na Revista de Domingo, do JB, o principal encarte do Rio naquele tempo.

Mas voltando: Um amigo trabalhava no extinto Jornal do Brasil e disse que tinha vaga lá. Marquei uma hora com o editor, o caladíssimo Rogério Reis, que viu o portfolio “inútil” e me admitiu. Depois de um ano tentando entrar lá, consegui. Ainda tive a sorte de estar no fim da era de ouro do fotojornalismo, que no JB era capitaneado pelos editores Rogério Reis e Flavio Rodrigues, um período intenso e de muita cobrança, de salários baixos mas de muita criatividade, onde a editoria de fotografia era composta por um time de feras. Impossível não ter saudade daquela época, onde nem se sonhava com a internet. Fiquei lá de 92 a 98 e em outro jornal de 98 a 2000, mas nunca me senti o repórter per se, sempre gostei de features, de fotografia mais "pensada".

Qual a importância de um trabalho autoral para quem trabalha apenas comercialmente?

AA. É fundamental, absolutamente. Eu creio – na maioria dos casos - o trabalho comercial deve financiar o trabalho autoral, pois este irá nortear a carreira do fotógrafo. O fotógrafo deve estar atento para não se tornar mais uma peça dentro do mercado.

Como é a concepção do trabalho autoral e como funciona o seu processo de criação?

AA. No momento tenho dois trabalhos de minha inteira concepção, "Fortia Femina" e um livro chamado "100 Coisas que cem pessoas não vivem sem". O “Fortia” é um ensaio sobre mulheres adeptas da musculação, em preto e branco, de viés livre de publicação ou lucro. São imagens que não residem num limbo preferencial: ou se ama ou se odeia. Até agora não vendi uma única cópia para coleção. O “100” nasceu da idéia de fazer um livro de retratos, mas não queria um tomo que fosse um compilação de fotos de gente, isso o medium visual está repleto e sinceramente acho repetitivo e um tanto tedioso. Como toquei baixo muitos anos, tive bandas e escrevi muitas letras, creio que títulos/temas são tão importantes quanto a obra. Nome é destino. Comecei a brincar com a idéia de número, de rima, de ritmo, de pessoas e que o conceito de uma pergunta instigaria o leitor. Depois de muita elocubração, veio o título, cujo paradoxal conceito é “arqueologia instantânea”, conhecer um pouco as pessoas pelos seus objetos. E desde agosto de 2005 venho fazendo o “100”, um desafio logístico muito pesado. E bancado integralmente por mim.

"Fortia Femina" nasceu antes, em 2003, 2004. Zapeando, paro em uma transmissão de um campeonato Mr. Olimpia, creio, e vi mulheres na competição. Até então não sabia que uma mulher poderia ter um corpo com aquelas proporções e me encantou como o relevo e o volume dos corpos "respondiam" à luz, e como a feminilidade poderia chegar a um extremo tão intenso. Então comecei a pensar numa série de fotos de nu, sem grandes compromissos, mas que fosse distinta do que havia visto até então.

Um ensaio, um trabalho, deve ser adequado às condições de quem o elabora. Adotei o fundo branco para o "Fortia" pela facilidade do suporte (papel branco, pano branco, parede branca existe em qualquer lugar) e pela leveza que o branco fornece ao conteúdo, que talvez seja uma herança do meu tempo de garoto, quando pensava em ser desenhista, cartunista. Sou fanático pelas ilustrações a bico de pena e gravuras de Da Vinci, Vesalius e Henry Gray sobre a anatomia do corpo humano; descobri que me influenciaram bom tempo depois de estar fazendo o Fortia Femina. O "100" também é em fundo branco, retrato e objeto, mas em conjunto com outra inspiração agregada, que são os catálogos de produtos, tão comuns em jornais. Como vivemos em uma época "catalogal", onde somos reduzidos perfis e frases definidoras, o "100 Coisas que cem pessoas não vivem sem" é um comentário – pretenso – sobre este nosso tempo. Zeitgeist.

Layout em páginas abertas do livro "100 Coisas que cem pessoas não vivem sem".
As atletas e apresentadoras de TV Bia e Branca Feres e seu fusca cor de rosa.


Você busca inspiração em outras mídias, como quadrinhos, música e cinema. Porque considera isso tão importante?

AA. Não apenas nas citadas, mas pintura e escultura me são vitais. Todo o tipo de manifestação me atrai. Na literatura ‘O Estrangeiro’, de Camus, teve um profundo impacto quando li. Outro fantástico observador é William Gibson, autor do termo cyberspace em “Neuromancer” e de “Reconhecimento de padrões” um livro importante para qualquer pessoa que trabalhe com imagens; que aliás tem uma tradução eficiente em português brasileiro. Toquei baixo por uns oito anos e até hoje tenho o instrumento, embora quase não toque. A música desempenha um papel fundamental na minha vida, tanto ou mais quanto o cinema; meus mais antigos amigos vêm da música. Não vejo, por exemplo, chance de ter uma namorada que tenha um gosto musical muito diferente do meu. Música é alma. Ouço de Slayer à Cole Porter, passando por bossa nova, industrial, alguns eletrônicos, rock, heavy metal e muita black music dos 50, 60 e 70. Refuto qualquer discurso que relativise a cultura e a educação e que enalteça o mero empirismo de processos na formação. Aproveito da máxima socrática: “quanto mais sei, mais sei que nada sei.” Quando vou editar um trabalho meu, sempre procuro se há algo bom. Inicialmente, acho tudo medíocre, apressado e raso. Sempre pode ser melhor...

Além das questões gráficas, o ensaio Fortia Femina lida com um tabu da estética feminina. Como foi a recepção desse trabalho?

AA. Amor ou Repulsa. Já me disseram que Fortia Femina está à frente do tempo dele. Não sei e não procuro me preocupar com isto. Hoje a estética da mulher muscular é um fator presente na sociedade, uma tendência desde os anos 80, quando explodiram as academias de ginástica e as “aulas de jazz”, que misturavam dança com exercício físico pesado. Fausto Fawcett, um excelente pensador pop, até cita na letra de “Facada Leite Moça” a frase “coxas de quem faz jazz”, no fim dos 80. Cabe ao autor suscitar e abrir questões. E isso não vem de graça, sempre se paga um preço.

Existe um projeto para publicar o Fortia Femina?

AA. O livro em tese está pronto, como fotos já tratadas e prontas para edição, mas falta uma editora com coragem para abraçar o projeto.

Durante o Nu Photo Conference você realizou um ensaio ao vivo para uma platéia de 300 pessoas. Como foi essa experiência? Já tinha feito algo parecido?

AA. Com uma platéia tão grande foi a primeira vez. Gostei muito da experiência, embora tenha achado, com o benefício da distância, que a apresentação foi um tanto exagerada em alguns aspectos. Foi um desafio redobrado porque aconteceu diferente do planejado. A minha proposta inicial seria verdadeira sessão do Fortia Femina mas a modelo, uma atleta, desistiu. Então propus que fossem duas modelos e parti do zero. Gostei muito de uma imagem resultante daquela sessão.

Durante a sua palestra você citou a importância de usar o fotômetro de mão. Com o digital, muitos fotógrafos da nova geração dispensam o seu uso. Porque você acha que isso acontece?

AA. O fotômetro é um símbolo. Quis ressaltar a importância da técnica, da pesquisa e do estudo constante. Não existe fotografia “fácil” e quem está começando não deve crer em soluções simplórias, como se a fotografia fosse uma série de “macetes” que resolvem qualquer situação. Todos os fotógrafos de cinema, cuja fotografia é exponencialmente mais complexa que a still, usam fotômetro, mesmo os fotógrafos com 30, 40 anos de experiência. É saber interpretar, usar a luz e não ser refém dela. Não creio que o fotografo deva se ater a fórmulas e resoluções fixas; quanto mais conhecimento, melhor; é quase pueril falar isso, mas há quem acredite que a fotografia é simples, quase intuitiva e o Photoshop resolverá tudo depois. O que interessa mesmo é a luz (saber iluminar) e a direção. A câmera, desde que seja manual, minimamente boa e gere arquivos RAW, resolve a maioria dos casos. A grande diferença entre uma câmera Pro e a amadora é que a Pro tem resistência e robustez. Tenho uma objetiva 70-200 2.8 que deve ter uns 10 anos e funciona muito bem, apesar de algumas “cicatrizes”, arranhões na lente e marcas de uso.

Quais fotógrafos cujo trabalho você admira e qual a relevância deles na sua produção?

AA. Vários me influenciaram e influenciam. Seria injusto nomear alguns, então fico com o meu trio sagrado, Cartier-Bresson, Avedon e Helmut Newton. E Sebastião Salgado, claro, por ser o maior fotógrafo vivo e por sua visão e sobretudo planejamento. Até o momento acredito que nenhum fotógrafo tem ou terá uma obra como a dele.

É mais complicado ou mais fácil fotografar celebridades?

AA. Eu fotografo famosos como se fossem anônimos e anônimos como celebridades. Em geral a fotografia, para a maioria das “celebridades”, é uma atividade aborrecida e que elas querem se livrar o mais rápido possível. Mulheres respondem muito bem a locação, com homens creio que uma certa tensão desenvolve melhor. A mulher tem que ser seduzida o tempo inteiro.

Quem você gostaria de fotografar e ainda não teve oportunidade?

AA. Scarlett Johansson, atriz; Yelena Isinbayeva, atleta e Angela Gossow, cantora da banda de heavy metal Arch Enemy. Aqui, Roberto Carlos, o cantor.

O que você diz para quem quer seguir a carreira de fotógrafo ou está começando?

AA. Persista. Mais do que nunca fotografia está difícil como negócio rentável. Somente quem tiver talento, senso de oportunidade e principalmente um manifesto sincero de idéias perante o mundo poderá ter sucesso. E procure fazer vídeo também. O futuro caminha inexorável para a imagem em movimento.

Claudia Francis, no "Fortia Femina".


Para conhecer melhor o trabaho de Andre Arruda, acesse: www.andrearruda.com