quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Entrevista: Alex Villegas

fevereiro 08, 2012 | por Cid Costa Neto

O paulistano Alex Villegas é fotógrafo e retocador especializado em moda e retrato. Formado em artes plásticas e design, é também professor de técnica fotográfica, iluminação e pós produção no Instituto Internacional de Fotografia.

Como foi o seu primeiro contato com a fotografia? 

AV. Acho que a história toda se divide em duas fases - o gosto pelas artes vem desde criança, porque meu pai era ilustrador na época, e eu morria de vontade de saber desenhar. Mas ele não era de incentivar muito, e fiquei esperando que alguma coisa acontecesse, de uma forma meio preguiçosa - o pior foi que essa coisa só foi acontecer muitos anos depois.

Nesse meio tempo aprendi a tratar e retocar imagens, trabalhei em agência de publicidade, enfim! Gastei quase dez anos nessa brincadeira, querendo me envolver de alguma maneira com as imagens, mas sem saber direito o que fazer. 

Mas antes tarde do que nunca; a fotografia acabou sendo o estopim que faltava - eu estava folheando alguma coisa, livro ou revista, e vi uma foto que me deixou completamente pirado por semanas. É uma foto bem conhecida, do Philippe Halsman, retratando o Salvador Dalí. Sempre gostei de foto, sempre comprei revistas e livros de fotos, mesmo antes de fotografar, mas aquela foto era diferente. 

Fiquei passado com a cena; era completamente surreal. Mas, ao mesmo tempo, tudo aquilo era real. Os gatos estavam ali, Dalí realmente estava no ar, a água realmente fazia aquele desenho. Então essa coisa da realidade superar a si própria através dos recortes da fotografia - isso foi o tapa que faltava para que eu tomasse vergonha na cara e desse vazão ao que realmente queria fazer e desconhecia, esse querer. Isso em 99, se não me engano. Comprei uma Nikonzinha FM10 em suaves prestações ali na Sete de Abril e não parei de pagar equipamento desde então!

Geralmente, designers são bons fotógrafos. Como você vê a influência da sua formação na prática fotográfica? 

AV. Não me considero um designer. Só trabalhei sob a tutela de alguns. Não investi na carreira os longos anos que são necessários para se ser um bom designer - minha formação foi curtinha, muita coisa me faltou, e falta até hoje - mas o ambiente acaba te moldando. Herdei gosto pela geometria, pela simplicidade, pelas diferenças sutis de tons e por atribuir significados a eles. E aprendi que, se você não toma conta do processo todo, a impressão sempre vai acabar com o seu trabalho. 

Durante o Wedding Brasil você estará ministrando um workshop sobre retrato. Qual a maior dificuldade que você acredita que existe nesse tipo de fotografia? 

AV. A maior mesmo? É descobrir qual é a sua relação com o retrato. Um retrato é um encontro mediado pela câmera. O que você quer fazer nesse encontro? Quer impor sua visão ao retratado, quer se submeter ao que o retratado te oferece, quer capturar instantes fugidios, quer construir performances sólidas? Todos esses processos são válidos e todos rendem retratos maravilhosos, mas temos que escolher um pra entender e usar. Todo o seu método de construção de retratos vai girar a partir das respostas dessas perguntas, ferramentas, público alvo e processo criativo.

Em uma era onde o software substitui o laboratório, o tratamento digital é realmente essencial?

AV. O Ansel Adams dizia que dodging e burning (clareamento/escurecimento seletivos em áreas específicas de uma imagem) eram passos para se resolver enganos que Deus tivesse cometido ao estabelecer relacionamentos tonais. Toda foto é representação, e é uma forma de comunicação, então se o que tenho a dizer fica mais claro através de intervenções analógicas ou digitais, então viva! Agora se estou feliz com o que a câmera me entrega, vou tratar pra que? 

O que estraga a imagem, na minha opinião, é a falta de pensamento, de um conceito, de uma história por trás da foto. Todo o horror manipulativo que pode vir depois é consequência dessa falta de rumo, não causa dela.

Recentemente no Reino Unido, pela segunda vez uma campanha foi barrada pelo uso excessivo de edição digital. Qual a sua opinião a respeito?

AV. Muita calma nesta hora… a campanha não foi barrada pelo exagero no retoque, isso sozinho não configura absolutamente nada de mau. O problema é que é uma campanha de cosméticos, em que a foto nada mais é do que a promessa de resultado. Toda e qualquer melhora da aparência feminina em uma campanha de cosméticos deve vir unicamente dos cosméticos, senão caracteriza o que realmente é nesse caso: propaganda enganosa. Se eu passar este creme vou ficar assim como na foto, certo? Errado.

Agora, para outras finalidades, é perfeitamente possível que um retoque considerado exagerado não só seja admissível, como essencial para que o trabalho cumpra sua proposta.

Quais os principais erros cometidos pelo profissional em relação à conservação do seu arquivo fotográfico digital? 

AV. São muitos, mas para enumerar alguns:

- Temos uma imensa tendência a guardar tudo o que produzimos - em uma época em que se clica tanto, num ritmo cada vez maior, armazenar todas as imagens produzidas de maneira segura é utopia. Catalogar e proteger apenas nossas seleções, o que realmente deu certo nas sessões de fotos, a longo prazo pode transformar o que seria um monstro incontrolável em um acervo perfeitamente organizado. 

- Becapeamos manualmente - existem softwares muito mais evoluídos que as nossas esquecidas cabecinhas, nessa tarefa de administrar quantas cópias existirão de cada coisa, e por quanto tempo. 

- Carecemos de planejamento - sentar em frente a uma folha de papel e planejar: qual será o sistema de backup, quanto vai custar, se ele pode crescer junto com o nosso acervo, quantas cópias de cada imagem haverá e em que mídia, e onde estas mídias estarão localizadas. É isso que nos falta fazer. 

Soluções existem aos montes, para todos os bolsos. Meu conselho é escolher uma que possa pagar, e segui-la da maneira mais rígida possível. Meu sistema não é nem de longe dos mais caros, e não perco arquivos desde 2006. O segredo, se é que existe algum, é constância e disciplina. 

Você participou da formação da D50, agência pioneira em gerenciamento de cores no país. Como foi isso?

AV. Foi a minha transição de produtor gráfico/fotógrafo amador para o mundo da fotografia profissional. Eu trabalhei por 4 anos na MetroMedia Technologies, uma empresa de impressão em grande formato - e era responsável pelo gerenciamento de cores nas mais diversas máquinas. Plotagens em lona, papel, adesivo - sempre tínhamos campanhas sendo impressas em todos os materiais ao mesmo tempo, e tinha de sair tudo igual. A MMT era muito rigorosa com isso, então tínhamos todo um equipamento de ponta para controle de cores e passei por diversos treinamentos para dominar tudo isso. 

O Marcos Kim era meu amigo pessoal na época, e pensamos em como seria portar toda essa tecnologia para a fotografia, criando métodos para controlar minilabs. Fundamos a d50, mas acho que ainda não era o tempo certo. Os monitores CRT estavam morrendo, os LCDs eram ou ruins ou muito caros, minilabs não são equipamentos exatamente estáveis para se fazer um controle rigoroso. Era tudo muito manual, impreciso e trabalhoso na época (2004), e isso refletia num custo inacessível para os donos de laboratórios fotográficos. Então, apesar da tecnologia inkjet estar amadurecendo, os papéis fineart surgindo, os softwares sendo atualizados e os LCDs melhorando de qualidade e caindo de preço - de certa forma, havia uma luz no fim do túnel - acabei me desligando para me dedicar mais à fotografia, que era um dos ramos que seriam futuramente abarcados pela d50, mas que na ocasião não tínhamos tempo para investir. O Marcos continuou com a empresa por algum tempo, mas também resolveu se dedicar integralmente à fotografia. No fundo, acho que não queríamos mais ser técnicos. 

Existe hoje em dia, muita preocupação por parte de alguns fotógrafos com o equipamento. Como você vê essa questão? 

AV. Eu vejo da seguinte forma: Fotógrafos são moldados por seus espaços de linguagem favoritos. Cada tipo de câmera tem uma dinâmica - usar uma 4x5 é diferente de usar uma SLR, que é diferente de usar uma rangefinder. Falo do processo mesmo, de carregar o filme, do peso da câmera, da rapidez da operação. Isso tem reflexos poderosos no tipo de fotografia que se executa. Outro ponto era o filme - o McCurry por exemplo, é impossível pensar nele e não pensar em Kodachrome, tons saturados, muito detalhe, mas relativamente pouca capacidade de capturar informação nas sombras. O Salgado já respira Kodak Tri-X; e são as características desse filme que ele busca nas coisas. Usar um ISO específico já te condiciona a certas situações. Percebe? 

Um bom fotógrafo é aquele que aprende a enxergar como sua câmera enxergará. 

Com o digital isso ficou mais nebuloso - um arquivo RAW pode virar qualquer coisa, desde uma cena coloridíssima até um PB granulado. A sensibilidade à luz é altíssima. A velocidade idem. A resolução deve estar pra chegar aos 36 megapixels em DSLRs acessíveis. A oferta de lentes é vasta. 

A própria versatilidade da ferramenta nos mata a criatividade, por não oferecer limitações. A limitação do equipamento atual aparece quando queremos que a câmera veja as coisas como nós mesmos vemos, e nenhum equipamento é bom por esse prisma, porque o olho humano é imbatível. Só que desta vez não nos conformamos com a limitação, não nos adaptamos ao “olhar” da câmera. 

Queremos mais e mais resolução, mais e mais sensibilidade, mais velocidade na captura, mais velocidade no foco, lentes mais versáteis. 

Cada nova geração de câmera ou lente é um pequeno e caro passo em direção à versatilidade suprema - a do nosso olho - mas essa viagem ainda não tem um destino à vista. Então estamos condenados a viver um ciclo constante de empolgação (quando damos um passo tecnológico) e frustração (quando percebemos que mesmo assim ainda não chegamos lá). 

Desprezamos equipamentos que são tecnologicamente muito, mas muito melhores do que os usados pelos fotógrafos que tentamos imitar. Isso não é incrível? Os fabricantes de câmeras, pelo menos, adoram essa nossa mania.

Quais são suas influências dentro e fora da fotografia?

De dentro da fotografia vou citar três camaradas: o fotógrafo com quem mais me identifico e que mais me inspira é o Javier Vallhonrat. É modelo para mim, no sentido de que é capaz de aliar uma estética arrasadora - tudo o que ele faz é lindo - a poderosas mensagens e questionamentos. É um cara que joga muito bem com a arte, e de uma lucidez incrível. 

O segundo é o Albert Watson. Ele me inspira no sentido de possuir uma elegância e excelência técnica fora do comum, sem se tornar maçante ou mecânico. Ele é gráfico ao extremo, e se tornou minha referência a bater no trabalho em PB. Se levo horas polindo uma foto em PB até ela ter uma aparência microscopicamente displicente, a culpa é dele. 

O terceiro é o Paolo Roversi. Ele é uma espécie de contraponto, trazendo lirismo e intuição ao trabalho. Baixas velocidades, desfoque, cores que vão se fundindo como aquarela - são imagens poderosíssimas e aparentemente desprovidas do que a gente chama de “qualidade de imagem”, mas que na verdade é só a nitidez que ele tem o dom de tornar desnecessária. 

Nenhum deles é dos mais superstars - sinceramente (agora vão me matar) eu não dou muita bola para o Helmut Newton, David LaChapelle ou para o Mario Testino. Admiro o trabalho, conheço as fotos, mas não é nada que me faça sentir alternadamente incomodado e levado aos céus. E o trabalho desses três faz isso, de uma maneira extraordinária. 

Agora fora da fotografia as influências são basicamente literárias: já que estamos nas trilogias, eu poderia citar o Ítalo Calvino, o Borges e o Amós Oz, que é paixão recente. Todos eles são incrivelmente inspiradores, no sentido em que me fazem questionar todas as minhas formas de linguagem - e sempre acaba sobrando para as fotografias.

"Letícia", Alex Villegas

Para conhecer mais sobre o trabalho de Alex Villegas, acesse: www.alexvillegas.com.br