sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Lendário fotógrafo Don McCullin ganhará cinebiografia

dezembro 18, 2020 | por Adriana Vianna

“A fotografia para mim não é olhar, é sentir. Se você não consegue sentir o que está olhando, nunca fará com que os outros sintam algo ao olhar para suas fotos

Don McCullin por Wattie Cheung, 2006

O filme “Unreasonable Behavior” será uma adaptação da autobiografia do fotógrafo, dirigido por Angelina Jolie, estrelado e produzido por Tom Hardy sob sua produtora independente de cinema e televisão Hardy Son & Baker de Hardy, em parceria com a Working Title Films. O roteirista indicado foi o escocês Gregory Burke que promete um relato inflexível da vida do célebre fotógrafo, mais conhecido por suas imagens em preto e branco, taciturnas, muitas vezes angustiantes, tiradas no Vietnã e no Camboja, enquanto trabalhava para os jornais The Observer e The Sunday Times. Muitas dessas imagens já foram tema de um Documentário em 2012, simplesmente intitulado “McCullin”. O fotógrafo que arriscou a vida para capturar essas imagens que continuam a ressoar até hoje, é muito respeitado pela empatia e a honestidade de sua descrição do sofrimento humano em seu trabalho.

Muitos dilemas são enfrentados numa grande produção, as fotografias e os filmes de guerra, em seu núcleo, quase sempre, parecem enfrentar um conflito com as contradições: deve-se representar cada ação revelada nas fotografias, não importa quão violenta seja ou deve-se envernizar a verdade das cenas fotográficas? Um fã mais revisionista pode querer a demonstração de quantos inocentes morreram para sustentar ideais ofensivos e estúpidos, um fã mais mediativo pode querer ver o verdadeiro inferno que os soldados vivem quando estão afetados pelo destino da função ou a revelação dos sofrimentos que os fotógrafos de guerra suportam para fazer os registros, como bem se vê no documentário “War Photographer”.

Camilla Long, crítica de cinema no The Sunday Time, costuma dizer que “cada época recebe os filmes de guerra que merece”, então vamos da positividade desenfreada e leveza de The Great Escape - um filme perfeito para os anos 1960, quando as pessoas estavam muito ocupadas fazendo amor e não a guerra - para a raiva e a paranoia profunda dos anos 1970 com “Apocalypse Now” e “The Deer Hunter”, terríveis no papel e ainda mais no celulóide.

Early Morning, 1963

O fotógrafo

Sir Don McCullin, 85 anos, é um dos maiores fotógrafos de guerra ainda vivo. Poucos desfrutaram de uma carreira por tanto tempo; nenhum desfrutou de tal variedade e aclamação crítica. Considerado uma lenda viva, ele diz que não gosta do conceito de "carreira", ele prefere "vocação". Nos últimos 50 anos, ele revelou ser um fotojornalista sem igual. Simultaneamente, ele provou ser um artista hábil, capaz de belas naturezas mortas, retratos emocionantes e paisagens em movimento. Em sua trajetória cobriu desde a extrema pobreza perto de casa às guerras no Vietnã, Camboja, Chipre, El Salvador, Congo e Síria. Sofreu terríveis ferimentos, quando, por exemplo, caiu de um telhado no Camboja e quebrou varias costelas e o braço. Embora todos os pesadelos o atormentassem, quando tinha 80 anos fotografou no Iraque para a Harper's Magazine.

McCullin recebendo o prêmio World Press Photo em 1964. Arquivo Nacional

McCullin. Onitsha, Biafra, Nigéria. Abril de 1968. Crédito Fondation Gilles Caron

McCullin se tornou o que os franceses chamam de barouder, um homem excessivamente atraído para o combate, mas não de uma forma extrativista e excessiva. Ele escreveu vários livros entre 1971-2018 e recebeu muitos prêmios entre 1964-2017.  Em 1961 ganhou o British Press Award por seu ensaio sobre a construção do Muro de Berlim. Sua primeira experiência na guerra veio em Chipre, em 1964, onde cobriu a armada de tensão étnica e nacionalista, ganhando o Prêmio World Press Photo por seus esforços. Em 1993 foi o primeiro fotojornalista a receber um CBE (Ordem Mais Excelente do Império Britânico, ordem de cavalaria que recompensa contribuições para as artes e as ciências). Ele emerge como um homem pensativo, não-sentimental e franco, enojado com a desumanidade da guerra - e ainda sincero sobre como ele também é pessoal e profissionalmente atraído por seu drama. “Ninguém se preocupa com seres humanos reais. É tudo sobre celebridades privilegiadas que são capazes de cuidar de si mesmas. Devemos pensar em pessoas que não têm essas oportunidades afortunadas”. 

McCullin posa ao lado de uma de suas imagens lendárias na exposição "Moldado pela guerra" no Imperial War Museum North, Manchester em 3 de fevereiro de 2010 em Manchester, Inglaterra. Foto de Christopher Furlong

Jolie no set de Unbroken, 2014. Foto de David James

A diretora 

Angelina Jolie é conhecida por seus filmes ambientados em tempos de conflitos contemporâneos. Sua estreia em 2011 foi com "In the Land of Blood and Honey - review", romance que se passa durante a guerra da Bósnia e que lhe rendeu críticas desejáveis, como "impressionante falta de floreios" ou "nascido de uma pesquisa escrupulosa de uma profunda convicção". Enquanto em "Unbroken" (2015), sua segunda direção, as adaptações das memórias do corredor olímpico Louis Zamperini que foi capturado pelos japoneses durante a segunda guerra mundial, apesar de épico e ambicioso, a crítica sentiu falha da direção em não fazer justiça à emocionante história da vida real de Zamperini, no que seguiu a rota da velha escola de Hollywood, embora em suas mãos "tudo fique um pouco mais inspirador". No ano de 2000 Jolie adaptou o livro de memórias do escritor cambojano Loung Ung para mostrar as consequências que a campanha violenta do Khmer Rouge's deixou sobre o povo do Camboja nos anos 70: "First They Killed My Father" (2000), sua quinta direção, lhe rendeu muitos elogios da crítica, sobretudo por ter um talento genuíno, comparando-a com o veterano diretor vietnamita Tran Anh Hung. 

Foi esse filme que, aparentemente, convenceu McCullin a colaborar com Jolie. “Depois de assistir ao último filme de Angelina sobre o Camboja e de passar tanto tempo durante a guerra, fiquei muito impressionado com a forma como ela fez uma representação tão poderosa e precisa do lugar naquela época”, disse ele. “Eu me sinto como se estivesse em mãos seguras, capazes e profissionais com ela.” Jolie disse ao The Guardian que "está muito feliz por ter a chance de trazer a vida de McCullin para o cinema". Sentindo-se atraída pela combinação única de coragem e humanidade - seu compromisso absoluto em testemunhar a verdade da guerra, sua empatia e respeito por aqueles que sofrem suas consequências - ela completa deixando uma pista: "Esperamos fazer um filme tão intransigente quanto a fotografia de Don, sobre as pessoas e eventos extraordinários que ele testemunhou; a ascensão e queda de uma era única no jornalismo".

Fonte: The Guardian