quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Coletivo DAFB – Mulheres e transgêneres unidas para superar a discriminação

setembro 29, 2021 | por Anônimo

Mulheres e pessoas transgêneres da cinematografia se unem em coletivo para superar os desafios do preconceito de gênero no setor mais machista do cinema


A discriminação sofrida por mulheres e pessoas transgêneres não é novidade em nenhuma área profissional do planeta. E não seria diferente no cinema. Porém, no departamento de fotografia do cinema ela é gritante. As desculpas vão de “os equipamentos são pesados”, (o que já não procede hoje, pois os equipamentos estão cada vez mais leves) até “são poucas as profissionais no setor”, o que acontece realmente, mas justamente por causa da discriminação que acaba por afastar as mulheres da função. Como explica Nina Tedesco, diretora de fotografia, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora da relação entre gênero e audiovisual, uma das fundadoras do coletivo:

Rapidamente, as mulheres que se interessam pela profissão percebem que os diretores confiam menos nelas, que a equipe contesta mais o trabalho delas e que elas vão precisar brigar a vida inteira em desigualdade de oportunidades e sujeitas a assédio. Isso vai minando a profissionalização dessas mulheres na área. (Revista Trip, fevereiro de 2018)

Em 2016, quando a produtora O2 publicou uma lista de promessas da direção de fotografia nacional totalmente masculina, as diretoras de fotografia e profissionais do departamento decidiram agir. Era inacreditável que uma das principais produtoras do cinema nacional não conhecesse (ou reconhecesse) o trabalho de nenhuma promissora diretora de fotografia, muito menos das profissionais de base. Foi quando elas se uniram e criaram o coletivo DAFB - Diretoras de Fotografia do Brasil. Flora Dias, uma das diretoras fundadoras, esclarece:

Criamos uma base de dados com as fotógrafas de cada estado como um “cala boca” para quem diz que não existimos. É importante exercitarmos nossa autoafirmação. Temos que nos impor como diretoras de fotografia e afirmar o que sabemos fazer. Não vai ser um homem que vai dizer o que posso fazer. Se a gente for depender disso, a gente não trabalha.

Para se ter uma ideia de quão gritante é a ausência de fotografas no cinema brasileiro, entre 1995 e 2015 foram lançados 809 longas-metragens no Brasil. Desse total, apenas 48 foram fotografados por mulheres e 631, assombrosamente, não tinham sequer uma mulher em toda a equipe de fotografia. Veja os gráficos:


 

Além de compilar e divulgar os currículos das diretoras de fotografia, assistentes e técnicas diversas (mulheres cis e trans), o site do coletivo oferece importantes cursos de imersão, oficinas e debates que contribuem para a profissionalização das associades (termo DAFB, que prioriza o "e" em lugar dos discriminatórios "o" e "a") em inicio de carreira tanto tecnicamente, quanto nas questões da inserção no mercado de trabalho, o maior desafio.

Falta de talento e envolvimento não existe entre elas. Apesar de tantos desafios e dificuldades, no site do DAFB podemos apreciar a carreira de diretoras premiadas em películas lindamente fotografadas. Veja alguns exemplos:

Heloisa Passos

Veterana na cinematografia nacional, Heloísa é referência para a nova geração de fotógrafas e uma das que oferecem cursos e oficinas de formação. Atualmente ela tem garantido os melhores orçamentos no mercado do cinema. Heloísa destaca que iniciou sua carreira independente, quando percebeu que não receberia convites espontâneos. Segundo ela, dois filmes a destacaram no cenário da fotografia nacional e internacional: o longa documentário “Manda bala”, sobre corrupção no Brasil, premiado em Sundance, em 2007, e o longa de ficção “Viajo porque preciso, volto porque te amo”, dos nordestinos Marcelo Gomes e Karim Aïnouz.
 

Cena de “Viajo porque preciso, volto porque te amo”

Kátia Coelho

Também uma referência atual e fundadora do coletivo, Kátia foi precursora no âmbito feminino da cinematografia nacional. Ela conta que desbravou, sozinha, um universo totalmente machista. “Eu não tinha força para carregar todo o equipamento, então colocava a câmera em uma mochila de escoteiro.” Ela trabalhou como assistente de câmera por nove anos, até conquistar seu espaço entre os colegas e assinou títulos como “A via láctea”, de Lina Chamie, com Marco Ricca e Alice Braga, e “Como fazer um filme de amor”, de José Roberto Tourero, estrelado por Denise Fraga e Cássio Gabus Mendes.


Cena de “Como fazer um filme de amor”

Luciana Baseggio

Luciana também teve, em sua carreira, a necessidade de se provar capaz perante os homens. “Eu era arisca quando mais nova e não deixava ninguém me ajudar. Para ser aprovada, a gente acaba exagerando um pouco nessa dose. É uma maneira de a gente se defender. As mulheres têm que sempre que exceder, estar à frente e lutar muito”, ressalta. Foi com essa garra e determinação que ela conseguiu fotografar películas como “Sobre sete ondas verdes espumantes”, dBruno PolidoroCacá Nazario, 2014, “Dromedário no asfalto”, de Gilson Vargas, 2015, “Menos que nada”, de  Carlos Gerbase, 2012, entre outros.


Cena de “Menos que nada”

E como estas talentosas e já veteranas diretoras, tem muitas outras no site do DAFB, algumas ainda principiantes, mas com tantas histórias parecidas, em que os desafios, além dos naturais de qualquer começo, são ainda maiores, alimentados pelo preconceito e pela discriminação de gêneros. São filmografias intensas e inspiradoras que merecem e devem ser apreciadas e estudadas. Pois se o olhar masculino é o que impera no momento, o feminino é o que agrega, compartilha, dá brilho, cor e voz especialmente sensíveis e diferenciados a essa forma tão peculiar de contar histórias que é o cinema.