quarta-feira, 8 de abril de 2020

Entrevista: Rosely Nakagawa, curadora do Prêmio Diário Contemporâneo

abril 08, 2020 | por Resumo Fotográfico

Rosely Nakagawa | Foto: Miguel Gonçalves Mendes

Em um mundo de constantes transformações, que imagens a fotografia escolhe? Por que? De que maneira? O Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia acompanha essas inquietações visuais há mais de uma década.

Nesta 11º edição, ele decidiu propor experiências do pensar e do fazer artístico mais compartilhadas. São três prêmios de residência artística, uma delas coletiva, inclusive. Compartilhada também foi a curadoria da mostra principal que traz, neste ano, Rosely Nakagawa como curadora convidada. O prazo para as inscrições foi estendido até 30 de abril e elas são realizadas pelo site www.diariocontemporaneo.com.br.

Rosely Nakagawa é curadora e editora de artes visuais. Formada em Arquitetura pela FAU-USP, fundou a Galeria Fotóptica em 1979, coordenou a Casa da Fotografia FUJI e foi curadora das galerias FNAC de 2003 a 2009. Atua como curadora independente, tendo realizado mostras de arte em instituições nacionais e internacionais. Em Belém, foi curadora do Projeto Fotografia Contemporânea Paraense - Panorama 80/90 no Museu Casa das Onze Janelas.

Confira a entrevista com ela:

O tema desta 11ª edição parte da literatura. Para a fotografia, qual a importância deste diálogo com as outras linguagens?

Eu faria uma inversão na sua questão, falando da importância da fotografia para as outras linguagens. E ainda reforçaria que a palavra "fotografia" deve ser revista, hoje ela é mais "imagem". Ela é tecnologia de grafia de pontos sensíveis à energia, ondas eletromagnéticas, pontos algorítmicos que produzem imagens.

Hoje ela está presente na criação desde o princípio. O processo de criação se dá a partir de imagens, antes de qualquer anotação, leitura ou pensamento.


Qual é o papel do curador na arte contemporânea?

O curador felizmente tem mudado de papel rapidamente, ocupando um lugar mais adequado, menos protagonista do que nos últimos anos. Ele deve voltar a ocupar o seu lugar, o de estar atualizado nos processos de criação dos artistas, acompanhando-os em toda sua dimensão, e trabalhando na fatia que lhe cabe: a de estimular, difundir e provocar a reflexão sobre os processos de criação diante da expectativa do artista e do público.

O curador de arte tem uma atuação que busca provocar reflexões, mas também precisa lidar com questões de ordem prática, como montagem, escolha de suportes e o relacionamento com as instituições. Como isso se dá?

A discussão destes elementos são parte do processo de criação e é obrigação do curador saber onde eles são necessários e quais os aparatos mais adequados. A relação Institucional nem sempre. Cabe ao curador criar um espaço para a arte e para o público junto as Instituições, abrindo novos olhares, pontos para discussão, interação e formação.

Mas longe da administração destes espaços. Dentro deles, se houver um curador, ele deveria atuar ao lado de um comitê mais amplo e imparcial.


Você vem acompanhando a fotografia paraense há anos. Que transformações ocorreram com ela?

A fotografia assim como outros processos criativos é orgânica, permeável e mutante. Desde 1980, no encontro da Semana de Fotografia da FUNARTE, quando estive em Belém pela primeira vez, até o ano 2000 quando acompanhei mais de perto uma gama maior de profissionais para o Panorama da Fotografia Contemporânea, a fotografia sofreu uma mudança radical do ponto de vista de tecnologia, com a introdução da plataforma digital. A técnica ainda em 1990 era um fator estrutural para a construção da fotografia e responsável pelo seu resultado. O equipamento e os acessórios eram uma escolha que determinava a aproximação com o objeto do trabalho. A cor, ou o preto e branco, o grão, a mudança sutil de luz do céu da Amazônia, a velocidade da ação diante do fotógrafo. A resolução ou a falta dela no registro das paisagens.

De 2000 para 2020, as mudanças se notam mais críticas no âmbito sociocultural, ambiental, ético, humano. Várias questões presentes nas fotografias nos anos 1980 e 1990, se exacerbaram, e se mostram presentes como imagens contemporâneas; a marginalidade, o gênero, os desastres naturais, a ética. A diferença de abordagem não se limita mais ao equipamento, mas à elaboração crítica do imaginário prévio à captação. A imagem produzida pela câmera exige uma sofisticação de pensamento e conceituação para ser uma imagem do universo da arte contemporânea.


E nestes anos de atuação do Diário Contemporâneo, no que você acredita que ele contribuiu para estas transformações?

O Diário Contemporâneo criou e ocupa um espaço para acompanhar e documentar a produção neste período de mudanças. Mais que um edital ou prêmio, ele estimula desde o princípio, a reflexão, a pertinência, o processo, os itens mais importantes para o fazer artístico, que incluem a leitura, o roteiro, a fundamentação de um conceito e percepção muito próximos da literatura. O que justifica mais uma vez esta ligação entre imagem e literatura.

No início, tudo era imagem e verbo, sem separação, um só ideograma.


O Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia é uma realização do jornal Diário do Pará com apoio institucional do Espaço Cultural Casa das Onze Janelas, do Sistema Integrado de Museus, SECULT e do Museu da UFPA; colaboração da Sol Informática e patrocínio da Alubar.