quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Fotógrafa revela as mulheres da Yakuza

setembro 10, 2020 | por Adriana Vianna


"Sou uma mulher tentando entender outra mulher". Assim define a fotógrafa francesa Chloe Jafé durante o processo artístico do trabalho que encontra acolhimento na história social da cultura. 

Muitos debates ocorreram nos últimos anos sobre o papel das mulheres, muitas vezes invisíveis, nas organizações criminosas. A máfia japonesa é uma das maiores do mundo. Em 2019 o fotógrafo Anton Kunsters revelou sua experiência de convivência com a Yakuza. Porém, seu foco extraordinário, não traçou o perfil da presença de mulheres na máfia - quase sempre romantizada no cinema. A lacuna percebida por Chloe Jafé, fluente na língua japonesa, foi perseguida por ela até que se ajeitou como anfitriã num clube de hostess em Tóquio, propriedade da Yakuza. Nesse ambiente a fotógrafa tentou estabelecer contatos para sua aproximação. Mas, foi quando Jafé largou o emprego e estava mais perto de desistir do projeto que ela finalmente conheceu um chefe da máfia.

O trabalho foi realizado por um longo período de seis anos e, aos poucos, Jafé descobriu a estrutura patriarcal na qual as mulheres casadas com homens nos cargos mais altos têm uma guarda-costas feminina. Foi por esse viés que Jafé conheceu Yumi que era a responsável pela segurança da esposa do chefe. Por causa das ocupações ilegais de seus maridos, as esposas tendem a viver em uma comunidade fechada. A fotógrafa acabou submergindo no que parecia ser uma espécie de 'sub-subcultura' feminina dentro do mundo Yakuza.



Independentemente da posição na hierarquia todas as mulheres se unem em seu compromisso, para Yakuza elas “dão sua vida” - trata-se então de amor e orgulho. Entretanto, curiosamente, por definição, Yakuza não poderia ser uma mulher, se você é um Yakuza, então você é um homem - diz Jafé. Esse é um papel muito ambíguo e interessante, sobretudo quanto à aprovação de suas tatuagens - uma vez que para ser tatuado, um Yakuza deve ter feito algo para merecer, deve ser digno, e isso só o mestre da tatuagem é quem decide, revelou o fotógrafo Anton Kunster. Se o mestre decidir que o Yakuza é digno, então a pessoa entra num processo longo, em sessões semanais a um custo de cerca de cinquenta mil reais, que pode levar até um ano para ser concluído.

O processo é longo porque inclui aquela técnica artesanal realizada com uma vara de madeira fina com quatro agulhas na parte superior e envolve que a tatuagem não seja um mero grafismo decorativo ou marcador territorial que define o pertencimento à qualquer gangue. A tatuagem é representação de uma cena da vida do membro Yakuza ou algo que seja simbolicamente muito crucial - o que torna o desenho singular, pessoal e insubstituível, pois expressa os atributos pelos quais a pessoa é conhecida. O próprio fotógrafo Anton Kunsters conta que, depois de passar muitas dificuldades para conseguir essa aproximação, teve tatuada na pele a imagem de um peixe nadando rio acima, como metáfora de sua persistência, força de vontade e poder para superar adversidades; uma confirmação de que as tatuagens implicam dignidade e respeito, apesar de serem mal vistas pela sociedade em geral.

Algum tipo de critério as mulheres passam para terem suas tatuagens e para fotografá-las Jafé precisou da autorização dos maridos, pois as mulheres não podem simplesmente decidir isso; elas trazem seus corpos cobertos com tinta, mas ainda carregam um estigma proibitivo no Japão, pois “tatuagens não são realmente uma expressão de moda. Elas são algo que realmente vai colocá-los fora da caixa". As fotografias também revelam o irezumi feminino, uma tatuagem japonesa que geralmente cobre uma parte ou a maior parte do corpo. “Elas são uma prova de paciência e resistência. É sobre o quanto você pode lidar com a dor. São como uma proteção, omamori em japonês, amuletos de sorte.










O trabalho é inédito tendo em vista que essas mulheres nunca puderam mostrar seus corpos, apesar do orgulho que sentem. É possível que pela primeira vez uma fotógrafa tenha conseguido espaço para registrar essa intimidade. Jafé observa algo sobre si mesma durante o processo artístico: “Eu era uma mulher tentando entender outra mulher”, por isso suas fotos estarão acompanhadas de textos em japonês e em inglês, textos escritos pelas mulheres sobre suas tatuagens. Uma das notas foi escrita à mão por Yuko, filha da Yakuza: “A razão de eu fazer tatuagens é que queria desencorajar certos caras de se aproximarem de mim. Quero viver minha vida de forma independente, sem depender de um homem; foi esse pensamento que me incentivou a começar a fazer tatuagens. Para mim, a minha tatuagem nas costas é algo de orgulho e também algo que me guarda e protege." Uma visão revolucionária no clã.

No mês de Novembro a Galeria de Arte e Editora japonesa Akio Nagasawa Gallery lançará a série fotográfica com as respectivas histórias em fotolivro : “命預けます” / “I Give You My Life” / "Eu te dou minha vida." 



Fontes: DazedBBC News