sábado, 30 de janeiro de 2021

René Groebli e o jogo amoroso na fotografia de nu artístico

janeiro 30, 2021 | por Adriana Vianna


O ensaio foi realizado em 1952 durante a lua de mel do casal, em Paris. René Groebli e Rita ficaram no quarto de hotel por três dias. Produziram uma série fascinante e rica de poesia, tornando-a ainda mais interessante porque sabemos que ela não é uma modelo contratada para representar uma personagem, mas sim a esposa num encontro de despir-se não só nas roupas, mas em toda intimidade, dividindo o quarto e tudo que nele há, provavelmente pela primeira vez. Essa fotografia íntima, esse nu artístico versado no desvelamento do corpo pela luz, coloca a sensualidade no pedestal da contemplação.
“Se eu fosse um poeta, provavelmente teria ido ao café mais próximo para escrever poemas de amor para Rita... mas minhas impressões emocionais quase involuntariamente se transformaram em um poema fotográfico de amor” - Groebli
Fazendo uma análise por um viés da filosofia, na série fotográfica percebemos uma revelação do jogo amoroso que aparece no movimento repetitivo das posições em que a mulher é desenhada pela mágica luz do quarto e pela aproximação e distanciamento entre Groebli e Rita. Juntos eles produzem imagens que se repetem de modo diferente:: ora ela em pé, ora deitada, ora sentada, ora tirando uma roupa - aí repete: em pé, deitada, sentada, tirando uma peça de roupa. Deleuze confirma que tudo isso é um jogo, o jogo do eterno retorno. Mas esse retorno, adaptando para esse ensaio fotográfico, não é um retorno do mesmo homem fotografando a mesma mulher. O que retorna no jogo é o desejo, é o desejo que retorna àquela experiência, aqui no caso é o desejo de fotografar ou possuir sua amada. A experiência de fotografar o ser amado é selecionada pelo desejo que pode ser afirmado no devir, no fazer outra foto, depois outra, outra, outra - noutro horário, noutro dia - tantas vezes seja possível. Ele retorna para ela o olhar de desejo, de amor, de afeto. Ela retorna para ele o consentimento, para o amor, para contemplação.

Com uma breve analogia do conceito nietzschiano com o jogo amoroso, podemos dizer que é como se dentro do quarto os dois fizessem o eterno retorno da experiência amorosa, aproximando-se como experiência. Ao desenhar a hipótese de um movimento circular caracterizado por algumas posições de distanciamento e aproximação, de veladura e exposição, podemos ver que Groebli e Rita estão dentro do jogo amoroso, na fase do ver e ser visto, procurar e ser encontrado. Pode-se dizer também que a experiência amorosa é descrita como uma sucessão de figuras produzidas pelo percorrer do desejo que, mudando de momento, muda também de posição. Para fazer entender esse jogo amoroso, descrevo o 1º momento que é da alegria, quando o sujeito amoroso tem certeza de ser amado pelo objeto amado tanto quanto o ama – o que é uma realização plena do desejo. O 2º momento é do ressentimento, quando o sujeito amoroso tem certeza que ama mais o ser amado do que este a ele – a insatisfação do desejo jogará a culpa para o outro. O 3º momento é da má-consciência, no qual o sujeito amoroso tem certeza que não ama tanto o ser amado, tanto quando deveria amar – o desejo encontra-se insatisfeito e dessa vez sente culpa, sente que agora erro é dele. O 4º momento que torna-se o ideal ascético, quando a certeza do sujeito amoroso é a de que seu objeto amado tornou-se um objeto amado transcendente, ou seja, embora não mais amado, contudo, ainda amado no que se apresenta como possível de desejo. O jogo que vemos entre Groebli e Rita está na primeira fase, a fase feliz.

The eye of Love, no.1557, Paris, 1952

The eye of Love, Laundry line (no.1554), Paris, 1952

The eye of Love, Silhouette (no.526), Paris, 1952

The eye of Love, Sitting nude (no.521), Paris, 1952. Com essa fotografia, ele participou da exposição pioneira de Edward Steichen “A Família do Homem” no Museu de Arte Moderna de Nova York

The eye of Love, Stockings (no.531), Paris, 1952

The eye of Love, (no.505), Paris, 1952

The eye of Love, Nightly bed (no.502), Paris, 1952

The eye of Love, Rita with cigarette (no.1558), Paris, 1952 

The eye of Love, Neck in mirror (no.533), Paris, 1952

The eye of Love, Wine bottle with rose (no.520), Paris, 1952


The eye of Love, René photographs Rita (no.535B), Paris, 1952

O ensaio “The eye of Love” pode ser visto completo na exposição virtual da galeria Bildhalle.

René Groebli (9 de outubro de 1927, Zurique) é um fotógrafo suíço de publicidade e indústria expositora, especialista em transferência de tinta e litografia colorida.