sexta-feira, 23 de abril de 2021

Marilene Ribeiro, por uma fotografia do verso modernista

abril 23, 2021 | por Adriana Vianna

"Vejo meu retrato no rio... meu lugar é ali. Em relação ao objeto que você me pediu para escolher, gostaria de poder tirar a fachada da minha casa... minha casa está sob as águas da barragem de Belo Monte." © Geovan Carvalho Martins e Marilene Ribeiro

Recentemente estive conversando com Marilene Ribeiro, fotógrafa brasileira que leva ao mundo seu projeto socioambiental realizado em cenários brasileiros de rios represados por barragens para a criação de hidroelétricas. Ela articula suas preocupações destacando a necessidade de empatia para com os que sofrem injustiças sociais e nas suas ações é possível notar um reflexo do primeiro momento do modernismo brasileiro. Aqui aparece na coautoria dos registros fotográficos que são realizados pelos entrevistados a partir da provocação que a fotógrafa faz a eles, e no uso da cor na fotografia como um elemento de aproximação da realidade. Segundo a artista, questões de identidade cultural são construídas por essas aproximações colaborativas, pelas apropriações e interferências mútuas, que, por sua vez, são refletidas entre as linguagens artísticas das quais ela e seus colaboradores se apropriam para expressão das denúncias que reportam através de imagens em fotografias, vídeos, textos e desenhos - fluindo numa grande instalação que tem se desdobrado em outras poéticas fotográficas, nos prêmios que dão visibilidade ao Projeto e o colocam dentro do debate internacional a partir do debate brasileiro, consumando outras premissas do nosso modernismo que estimulou o olhar para dentro de seu próprio país e suas questões urgentes. Lembramos que o movimento teve como símbolo um Abaporu pintado por Tarsila do Amaral. Com uma sugestão de melancolia, a figura sentada na terra, plantada uma perspectiva que projeta na sua pose reflexiva a cabeça para longe do espectador, sob um céu solar na companhia de uma planta, um único cacto que representa o sertão, o deserto, a escassez, a solidão.

"'Nossa ilha, nossas praias de areia, nossas árvores, nossa casa ... tudo se foi. A barragem de Belo Monte só nos trouxe a morte." Local escolhido por Delcilene e Maria (mãe de Delcilene): seu antigo quintal na Ilha do Cajueiro (parcialmente submerso pela represa de Belo Monte). Objeto escolhido por Delcilene: cajus. Objeto escolhido por Maria: areia. © Delcilene Gomes da Silva, Maria das Graças da Silva e Marilene Ribeiro

É possível ver que o hibridismo na obra da fotógrafa se manifesta organicamente na sua poética visual do verso de um avesso social em busca das narrativas humanas e suas histórias pessoais de vida, atravessadas pelo capitalismo nas regiões que sofrem desapropriação material e imaterial. No entanto, cedendo espaço para as expressões próprias (e não só apropriadas) das comunidades ribeirinhas e mostrando a eles que por meio das imagens que produzem é possível representar seu mundo, revelar seus sentimentos, nomear suas perdas, reconstruir suas memórias, reivindicar seus direitos, Marilene Ribeiro realiza seu verso, a partir da realidade, como uma excelente modernista, porém no avesso da fotografia modernista que, em busca da forma pura e com a ausência de cor, deixou de lado os temas e os conteúdos sociais apropriados pela pintura e poesia. Seu compromisso em ver e fazer ver, apontar o sofrimento em meio a tanta beleza - brasileiros sofridos num cenário de paisagens incríveis - continua a nos lembrar esse lugar da fotografia documental enquanto meio de oxigenar pensamentos e reflexões numa resistência política e poética quanto ao "avesso do avesso do avesso do avesso", como diria Caetano Veloso ao se encontrar pela primeira vez com a urbanidade de São Paulo.

"Eu quero que minha fotografia seja tirada em águas mortas. A lâmpada vai representar o propósito de toda essa destruição. É justo matar tudo só para conseguir eletricidade?!" © Eliezé dos Santos Souza e Marilene Ribeiro

Projeto “Dead Water”

O projeto “Dead Water” conta a história de barragens e hidroeletricidade a partir da perspectiva das pessoas que foram afetadas por esses empreendimentos no Brasil, combinada com a experiência de Marilene Ribeiro como fotógrafa e ecóloga. O Projeto foi realizado em parceria com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Ações recentes:

  • Em 2021, o PHmuseum fez sua indicação como uma das 12 fotógrafas para se observar no mundo.
  • Em 2020 recebeu o Prêmio Descobertas PHotoEspaña.
  • No Brasil, Marilene Ribeiro participou do Festival de Fotografia de Paranapiacaba e do Foto em Pauta 2020.

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