quinta-feira, 6 de maio de 2021

“Maria disse não” contempla a beleza feminina no corpo político

maio 06, 2021 | por Adriana Vianna

Em resposta à atual visibilidade do conflito feminino entre habitar um corpo político que reivindica o direito de existir fora dos padrões de beleza comercial e ter o poder sobre o próprio corpo, muitas mulheres estão participando de projetos fotográficos de Nu Artístico


A resposta feminina que a Idade Contemporânea demanda vem de conflitos gerados por séculos ao Corpo Feminino, ora sob o julgo da castidade, do excesso de proteção familiar, tabus, violências, ora submetido e encaixado nos padrões de beleza comercial para habitar um corpo maquiado, artificial, muitas vezes transformados pelas edições digitais atuais, quando questões econômicas e de saúde deveriam conduzir a emancipação feminina.  

No projeto “Maria disse não”, a negação joga para positivar as modelos amadoras que parecem buscar diante da câmera uma aceitação da auto imagem e afirmação da liberdade moral, física e subjetiva para encontrar o lugar de existência livre dos padrões sugeridos pelas mídias. Para tanto, estão enfrentando os tabus que lhes foram impostos pela educação e cultura na qual cresceram em nossa sociedade e dizem respeito ao poder sobre o próprio corpo que, historicamente, num passado recente, era legado aos homens com os quais eram casadas ou de algum modo sustentadas. 

Alguma ideia desse contexto podemos constatar no recente livro “Rondó” da escritora brasileira Sonia Sant'Anna, nascida em 1938, que traz, sobretudo, entre outros contos, um relato pessoal de como as mulheres viviam na época da sua infância e juventude, perseguidas pelos fantasmas do status quo da castidade e da subserviência familiar, para não sofrerem a discriminação social. 

O que está em jogo não é só superar a cultura social, local ou regional sobre conceitos e padrões de beleza da moda vigente que encaminha centenas de modelos à anorexia ou  à baixa autoestima; não é só superar um segmento da fotografia que é a do Nu Artístico ainda circulado por preconceitos e tabus em relação ao corpo nu da mulher. 

A superação é mais profunda. 

"Libertador, senti a minha presença, me conectei comigo mesmo"

O que está em jogo é justamente superar a parte subjetiva da cultura - e as consequências, entre elas a baixa autoestima e o medo de discriminação social - na qual mulheres são formadas e formatadas para pensar e sentir, sobretudo, que os corpos são propriedades dos outros, quando não física, moralmente; ou que a beleza fundamental vem da aparência física; que o belo pertence à virtuosidade das formas perfeitas; que é nossa obrigação viver dentro dessas formas, segundo os padrões de beleza das artes gregas que ditaram conceitos no Século V e que foram atualizados e legitimados no período do Século XV do Renascimento.  

O preço dessa legitimação cultural renascentista sobre o corpo humano e o destaque para as formas visíveis dos músculos cabiam bem naquela época quando Copérnico e Galilei buscavam o funcionamento da natureza e a ciência ainda necessitava conhecer o funcionamento do corpo humano para melhor distinguir as doenças. Sabemos que, na História da Arte, até os artistas se reuniam e faziam dissecação de cadáver a fim de conhecer melhor as formas e texturas intrínsecas da carne, pele, vísceras, nervos, músculos. 

O gênio de Leonardo da Vinci foi um desses artistas que explorou as entranhas do corpo humano para aprimorar seus estudos de anatomia e aplicar em seus desenhos e pinturas a fim de atender à modernidade renascentista. Assim os corpos passaram das representações veladas pela religião na Idade Média para as representações encarnadas e demasiadamente humanas na Idade Moderna. 

A proposta do projeto “Maria disse não”, de Marco Lobo, fotógrafo residente em Chapecó, Santa Catarina, une-se aos debates que colocam as poéticas fotográficas para pensarem nas questões e nas necessidades reais das mulheres comuns que optaram por habitar seus corpos naturais e encontram o poder de os revelar de modo bonito e político, fugindo dos estereótipos. Iniciado em 2017, o fotógrafo espera chegar a mil fotografias e depoimentos, apurando as transformações sociais. As fotografias são realizadas gratuitamente, em acordo com as modelos, maiores de idade, que escolhem as locações, sempre acompanhadas. O projeto foi exposto em 2018 no Instituto Federal Sul-rio-grandense e na Bienal das Artes no SESC-DF, em 2019 foi exposto na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. 

"Os trejeitos sociais, as improvisações, os riscos, as vias e as demais dicotomias que formam o universo cotidiano de uma mulher comum, desta que está fora das páginas de uma revista, servem ao mesmo tempo como inspiração que revela de várias formas as vidas e personalidades despercebidas das modelos profissionais fotografadas. Nesse contexto eu tento captar em cada pose nuances da personalidade de mulheres que se aceitam como realmente são. Revelando esse lado escondido delas mesmas, ao se despirem acabam se libertando, mostrando de forma sutil um viés artístico humano" - Marco Lobo
  
"Autoconhecimento, libertação, quebra de padrões mentais, crenças limitantes, reconexão comigo mesma, manifestar o meu estado natural com a mãe terra" 

"Fantástico! Me senti muito a vontade e muito, mas muito, maravilhosa!"

"Fazia tempo que eu não fazia algo pela primeira vez, me senti muito a vontade e realizei algo que queria fazer a muito tempo"

"Foi uma experiência diferente, porém muito boa. Um pouco de nervosismo no começo, mas deu tudo certo"

"Incrível, uma energia maravilhosa"

"Tranquilo. A lente é mais gentil que o espelho. Permiti e perdoei meu corpo, meu rosto"

"Foi uma experiência incrível, me senti empoderada, amei"

"Uma magia que só entende quem tem a ousadia da experiência"