quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Uma breve turnê pela cinematografia do horror

outubro 27, 2021 | por Anônimo

Fechando o mês das bruxas, convoco os corajosos a um breve passeio por filmes de terror e suspense que marcaram o cinema


Imagem de “Nosferatu”, 1922

Os medos e horrores da humanidade mudam constantemente. Faz parte da evolução darwiniana superá-los e adquirir novos a vencer. Assim, o que era terrível ontem, amanhã pode ser apenas engraçado, ou mesmo, sem graça alguma. Tal fenômeno pode ser observado no cinema, a arte mais capaz de retratar a vida real ou a transformá-la em ficções assombrosas. De filmes hoje insossos, mas referenciais, a verdadeiros terrores da atualidade, as histórias contadas pelo cinema vêm traduzindo nossos medos e horrores em enquadramentos, luzes, sombras e efeitos cada vez mais arrojados e realistas. Fenômenos como guerras mundiais, recessões, crises políticas, genocídios e desastres da natureza foram modificando nossos temores e incutindo novos elementos inspiradores a estas obras. E a tecnologia cinematográfica não ficou para trás. Cada vez mais realista ou fantástica, ela tem nos proporcionado momentos de horrores cada vez mais reais e amedrontadores. Isto não se deve somente a melhores tecnologias, mas, também, às vivencias e a criatividade dos autores e fotógrafos ao produzirem suas obras assustadoras.

Proponho, aqui, um breve passeio cinematográfico de horror por algumas obras imperdíveis, que marcaram por produzirem, através de técnicas fotográficas inovadoras, tensões e horrores que nos geram sintomas como taquicardias e “embrulhos” de estômago e a enxergar como a vida real é mais tranquila diante disso. Bem, quase sempre.

Cena de “O Castelo do Diabo”, 1896

Para abrir o caminho dessa pequena, porém significativa jornada, invoco o primeiro filme de terror da cinematografia, produzido logo no ano seguinte ao nascimento do cinema, em 1896. Com pouco mais de três minutos de duração (uma novidade, pois os filmes tinham ate um minuto ou pouco mais), “O Castelo do Diabo”, de George Méliès, retrata os temores de Mefistófeles na expectativa da virada do milênio (este um medo recorrente da humanidade, até hoje). Com uma câmera parada e alguns efeitos de luz, o primeiro grande mestre, o ilusionista do cinema, o “pai dos efeitos especiais” surpreendeu com seus cortes criativos, que geravam a aparição repentina de fantasmas, caldeirões ferventes, o diabo e o primeiro vampiro das telas. Tudo ali era novidade, criações visuais sensacionais do imaginário humano. Assista abaixo:


Hoje considerado uma comédia de terror, na verdade “O Castelo do Diabo” foi precursor em muitas técnicas de manipulações fotográficas do cinema do horror. Seres que se transformam, desaparecem ou surgem do nada existiam apenas nos quadrinhos e no teatro. O mais interessante foi que Méliès descobriu acidentalmente como fazer tais efeitos. Sua câmera teve um problema de travamento e ficou filmando aleatoriamente. Ao revelar, ele percebeu as coisas e pessoas aparecendo do nada e sumindo de repente. Imaginem a sensação do diretor.


Cena de “Nosferatu”, 1922

Nossa segunda parada é no também precursor “Nosferatu, Uma Sinfonia do Horror", de Friedrich Wilhelm Murnau, 1922. Primeira película baseada no romance “Drácula”, de Bram Stoker, inspirou, em seguida, a segunda versão com o mesmo nome, dirigida por Werner Herzog, em 1979 e mais tarde a adaptação de Francis Ford Coppola, em 1992 (que dispensam comentários) entre tantos outros, sobre o lúgubre personagem. Com fotografia de Gunther Krampf e de Fritz Arno Wagner, a plasticidade da película inovou e inspirou significativamente o Expressionismo, (movimento artístico pós Primeira Guerra em que o cinema foi utilizado para expressar as angústias e as dores do período), que nascia na Alemanha pré-hitleriana. Em cenários sombrios e sinistros, vê-se contrastes carregados de chiaroscuro, uma influência italiana proporcionada pelos tons do preto e branco, além de imagens distorcidas, fantasmagóricas, que remetem a pesadelos, a uma sensação do sobrenatural que gera medo, muito medo. Esse visual macabro, inovador à época, foi e é intensamente repetido nas obras deste estilo.


A cena do chuveiro de “Psicose”, 1960, é uma das mais icônicas do cinema

Seguimos e, então, chegamos ao mestre dos mestres do terror psicológico, Sir Alfred Hitchcock, o rei do suspense. Mas o que é o suspense senão o terror mais profundo do que pode vir a acontecer? “Psicose”, de 1960 é exemplo clássico de uma obra que aterroriza partindo da alma, de dentro e empiricamente, atinge a pele e sai pelos poros. O mestre inspirou quase todos que vieram pela frente e fez isso, fundamentalmente, com seu estilo e suas técnicas fotográficas inovadoras. Seja por meio da captação de expressões faciais intensas, ou em tomadas de ponto de vista externo, em tomadas que conduzem interpretações (plongée e contra-plongée, por exemplo) ou mesmo em travellings rápidos e subjetivos que suscitam o medo, a ansiedade e até efeitos físicos, como tonteiras e vertigens, o diretor, mais do que um mestre do suspense, era expert em captar e gerar fortes sensações no espectador. Se você deseja se aterrorizar com classe e estilo, assista a filmografia completa, são todos de arrepiar os cabelos e a alma.


Cena de “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”, de 1964

Nesta turnê não podemos deixar de passar pelo brasileiro mais aterrorizante de todos os tempos, o temeroso e cruel Zé do Caixão. Em “À Meia-Noite Levarei Sua Alma” (o título já provoca os sentidos), de 1964, José Mojica Marins inaugura o cinema de horror no Brasil, com a mesma fotografia expressionista altamente contrastada de “Nosferatu", inovando, porém, com cenas que, com aspectos de “sujas”, grotescas e com cortes rápidos e bem objetivos, levam a sustos vertiginosos, um atrás do outro. Sem contar a criação deste vilão implacável, referência nacional e mundial até os dias de hoje e apreciado por grandes cineastas do mundo inteiro.


Cena de “O Massacre da Serra Elétrica”, 1974

Cunhando um novo tipo de historias de terror, o slasher, mais violento e realista por se tratar de fatos possíveis, executados por psicopatas que poderiam ser nossos vizinhos e narrados como se fossem verdadeiros, “O Massacre da Serra Elétrica”, de Tobe Hooper, 1974, pode ser considerado meio “pesado” por muitos, mas para quem aprecia o estilo é uma obra de arte imperdível. Produção de baixo orçamento para a época, acabou se tornando um sucesso de bilheteria, ao contar a história de um assassino insano, em plena capital, trazendo o medo para a urbanidade e para a rotina americanas. Na cinematografia de Daniel Pearl, se destaca uma fotografia com paleta sombria que, sutilmente interrompida, deixa a violência sanguinária por conta da imaginação do espectador.


Bruce, o tubarão mecânico sempre avariado, nos bastidores de “Tubarão”, 1975

Nosso passeio chega, agora, ao mar das praias de uma pequena cidade turística americana. Apesar de ser considerado, por muitos, como drama ou até mesmo comédia, o precursor dos blockbusters, “Tubarão”, de Steven Spielberg, 1975, traz de volta a era do monstro cruel que vive ao lado, inaugurada, logicamente, pelo grande Hitchicok, em “Os Pássaros”, 1963. Pesquisas indicam que, no ano de lançamento do blockbuster, o número de pessoas em praias diminuiu significativamente e parece bem difícil, hoje, que alguém que assistiu ao filme entre no mar sem se lembrar da música impactante que conduzia as imagens de aparição (ou a sugestão da aparição) do bicho. O ritmo de suspense, criado por Spielberg, com cinematografia de Bill Butller, se apropria reverentemente das técnicas de closes, movimentos e profundidades, câmera subjetiva e tempo de cena, inaugurados pelo grande mestre Hitchicok, inspiração confessa de Spielberg. A narrativa se desenha, principalmente, pela ausência do animal, o que nos leva à subjetividade tensa do seu olhar faminto, em cenas de mar aberto em total amplitude (que ele fez questão de ser assim, e não em tanques, para transmitir a sensação de pequenez dos protagonistas), que aterrorizam por geraram a incapacidade de se saber onde e quando o monstro vai atacar. O mais curioso é que essa ausência do tubarão nas cenas se deu, inicialmente, pela própria ausência do bicho mecânico no set. Ele estava sempre avariado pela água e maresia e o filme tinha que ser rodado. Veja detalhes sobre essa e outras curiosidades bem interessantes sobre os bastidores do filme.


Cena de “Alien, o Oitavo Passageiro”, 1979

Do mar partimos, sem escalas, para o espaço. Quem assistiu a “Alien, o Oitavo Passageiro”, de Ridley Scott, 1979, com certeza teve taquicardias e embrulhos estomacais. E não tinha nada a ver com o balanço da velha nave, mas sim com um novo motivo de medo: um alienígena mal, irracional e sanguinolento. Mais desconhecido e temido que pássaros cruéis e tubarões, já tão comuns à época, o oitavo passageiro da nave Nostromo aterroriza em cenários de uma embarcação escura, claustrofóbica (a qual, mesmo se contrapondo a amplitude do mar de Spielberg, sugere a mesma impotência) e sufocantemente silenciosa, cenário para as poucas, porém devastadoras aparições do monstro (como em Tubarão?), que conduzem o suspense do inicio ao fim da história. A protagonista, Sigourney Weaver, merece destaque pela atuação brilhante que caminha e ascende na mesma intensidade e em perfeita sintonia com o suspense crescente da narrativa. Obra insuperável, impactante, sensacional - no original sentido da palavra, de provocar sensações.


Cena de “A Bruxa de Blair”, 1999

E do espaço sideral voltamos para a Terra do final do século passado, quando quem torna a amedrontar são as velhas e assustadoras bruxas das fábulas e dos quadrinhos. Inaugurando uma nova narrativa em filmes do gênero, “A Bruxa de Blair”, de Daniel Myrick e Eduardo Sánchez, 1999, é marcado pelo estilo found footage, em que as imagens, gravadas como se fossem registros domésticos e rotineiros e a narrativa em primeira pessoa (ou seja, de quem esta filmando o acontecimento, em tempo real), sugerem se tratar de fatos autênticos. Além disso, “A Bruxa de Blair” inovou na liberdade dada aos atores especialistas em improvisação, o que tornou a narrativa mais realista e intensa. Tais recursos inspiraram significativas obras futuras como “Atividade Paranormal”, de Oren Peli , 2007, e “ REC”, de Jaume Balagueró e Paco Plaza, 2007, entre outras arrepiantes do gênero.


Cena de “O Labirinto do Fauno”, 2006

Bem, como prometido, um breve passeio. Poderíamos viajar por décadas pelas milhares obras de terror do cinema, caso peregrinássemos por todas elas. Cada uma com seu grau e tipo de horror, suas qualidades ou deficiências técnicas, sua atemporalidade ou obsolescência. Porém, todas com suas essenciais peculiaridades truculentas e sensacionais que nos deixam sem ar e, às vezes, ate mesmo com questionamentos existenciais atrozes.

Para encerrar, fica a dica de um conto de terror sombrio, gótico, ao mesmo tempo em que poético, existencialista e fabuloso: “O Labirinto do Fauno”, dirigido por Guillermo del Toro, com cinematografia de Guillermo Navarro, 2006. Obra prima genial que fazer jus a um intenso e exclusivo passeio por todas as suas nuances. Obrigatório até para quem não aprecia o gênero, pois o transcende.

“Eu sou cada pesadelo que você já teve.
Eu sou o seu pior sonho se tornando realidade.
Eu sou tudo o que você sempre teve medo.”
Pennywise em “It: A Coisa”