quarta-feira, 28 de julho de 2021

As cores no cinema: Como elas influenciam a narrativa de um filme?

julho 28, 2021 | por Anônimo


Cenas dos filmes da “Trilogia das Cores” de Krzysztof Kieslowski | Fonte: Delirium Nerd

Estudada desde 1666, quando o físico Isaac Newton descobriu o prisma e suas peculiaridades, a influência das cores nos sentidos humanos é cientificamente comprovada.

Mais recentemente, a pesquisa da socióloga Eva Heller, apresentada no livro “A Psicologia das Cores: Como as cores afetam a emoção e a razão” (HELLER, Eva; 1ª edição; ed. Olhares; Maio de 2021), é considerada uma consulta essencial para trabalhar com cores, seja nas artes visuais, na arquitetura, em designs de interiores ou em terapias alternativas.

Agregando uma ampla análise histórico-cultural aos resultados de sua pesquisa, realizada com duas mil pessoas de variados perfis, Heller confirmou que sim, as cores interferem em nossas sensações. Isso acontece através de alguns padrões que estão gravados em nossa mente inconsciente e outros, que vêm do nosso universo social, histórico e cultural.

O significado das cores

Eller verificou, também, que as mesmas cores podem transmitir sensações negativas ou positivas, de acordo com o contexto do filme e ou a cultura do espectador. Por exemplo, de um modo geral, cores quentes como o vermelho, amarelo e o laranja transmitem emoções mais alegres e intensas, como paixão, amor, alegria, erotismo, mas também podem instigar sentimentos de vingança, ciúmes e violência. Isso se deve à percepção de calor e luz solar que os tons nos passam e às nossa referencias culturais e sociais inconscientes. Já as consideradas cores frias como o azul, o violeta e o verde transmitem praticamente o contrário e são usadas para evidenciar sobriedade, equilíbrio, passividade, tristeza, espiritualidade, calma, solidão, infância, introspecção ou um clima frio. A cor preta, na maioria das vezes, é relacionada ao proibido, ao misterioso, ao secreto, à elegância, mas também à tristeza, ao luto. E o branco nos conduz à inocência, à bondade, à paz, à união, à pureza, mas, igualmente, ao vazio, ao neutro.

A semiótica das cores na fotografia cinematográfica

A utilização das cores no cinema gerou muita discórdia no início, como toda novidade tecnológica. Respeitáveis cineastas se posicionaram contra a cor, pois acreditavam que ela tiraria a atenção do espectador do que realmente importa numa história. Em entrevista concedida em 1966, Andrei Tarkovski declarou: “No momento eu creio que o filme colorido não é nada mais do que um truque comercial”. Porém, mesmo com tanta resistência, todos acabaram por aceder aos apelos das cores e passaram a utilizá-la a favor de suas narrativas.

Atualmente é fácil constatar a importância das cores num filme, quando lembramos que, já nas cenas iniciais, elas nos levam a perceber o tipo de narrativa, lugares, épocas, aspectos psicológicos da história e dos personagens. Às vezes, de forma tão obvia que dá nome ao filme, como na trilogia das cores da bandeira francesa, de Krzysztof Kieslowski: “A Liberdade é Azul”, em que predomina nas imagens o azul da serenidade e da harmonia, mas também da tristeza e da melancolia; “A Fraternidade é Vermelha”, em que temos o vermelho representando o amor, a necessidade humana de empatia; e em “A Igualdade é Branca”, em que percebemos a cor branca, de forma mais sutil nas imagens, nos figurinos, porém evidente e representando “o todo”, a união de todas as cores, a possível(?) igualdade. Outras vezes, as cores atuam de maneira pontual e sutil, como em “A lista de Schindler”, Steven Spielberg , em que o vermelho, mesmo meio fosco do vestido da menina, se destaca num cenário em preto e branco sóbrio, melancólico, consternado, remetendo à energia, à vitalidade (frágil, da menina) e à empatia possíveis, em contraposição à crueldade da guerra e suas consequências.


“A Lista de Shindler”, de Steven Spielberg, direção de fotografia de Janusz Kamiński

As cores são uma ferramenta tão fundamental ao se contar uma história cinematográfica, que originam uma paleta exclusiva para cada filme e acabam por definir o estilo do diretor. Quem não ouviu falar das “cores de Almodóvar”? Suas paletas de cores fortes e marcantes acabaram por se tornar sua marca registrada. E as cores fantásticas, escolhidas a dedo para cada cena por Wes Anderson, que inspiram até mesmo a moda e o design de interiores? São inúmeros os exemplos de diretores que valorizam as cores em suas películas.

Portanto, sob a tutela dos diretores geral, de arte e de fotografia, as cores de um filme, além de direcionarem olhares a épocas, lugares e situações e provocar sentimentos e emoções, contribuem significativamente para a plasticidade fotográfica e identidade visual da película, assim como pela definição do estilo dos diretores.

Veja, abaixo, algumas cenas de filmes que se destacam pela utilização das cores em sua fotografia e suas respectivas paletas:


Em “La La Land” (de Damien Chazelle e direção de fotografia de Linus Sandgren, 2016), as cores simbolizam a personalidade dos personagens e sua diversidade


Em “O Cisne Negro” (de Darren Aronofsky e direção de fotografia de Matthew Libatique, 2010), a paleta de cores é marcante, principalmente, nos figurinos da protagonista, que evidenciam, a cada nuance, suas alterações psicológicas em sua evolução na dança e na vida


Em “O Fabuloso Destino de Amèlie de Poulain” (de Jean Pierre Jeaunet, direção de fotografia de Bruno Delbonnel, 2001) a mistura do vermelho (energia, otimismo) ao rosa (pureza) e ao verde (imaturidade), entre tons pasteis (oníricos), anunciam o peculiar mundo da protagonista

“É fácil fazer uma paleta que seja esteticamente agradável,
mas difícil fazer com que ela preste um serviço à história”
Roger Deakins – Diretor de fotografia britânico

Aprecie mais imagens cinematográficas e suas respectivas paletas em Color Palette Cinema.

Fontes: