quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Sobre fotografia e algumas ambivalências

agosto 06, 2020 | por Adriana Vianna

Casal com daguerreotipia, década de 1850. Autor desconhecido

Nem só de ação vivem os fotógrafos. Quando é preciso parar para pensar pode ser uma boa revisitar um clássico sobre fotografia, uma literatura que espreitou a ação fotográfica enquanto essa buscava empunhar-se em diversos perfis ao longo de sua recente história. Susan Sontag com On photography tornou-se esse clássico que traz uma série de seis ensaios reunidos no ano de 1977 nessa primeira edição coletiva. "Sobre fotografia" nasceu da inquietação e investigação filosófica quanto ao que era praticado em sua época, sobretudo nas questões da relação entre política e poética no surgimento de uma estética que não existia antes. Parece que tudo começou na infância quando Susan, aos doze anos de idade, foi terrivelmente marcada pela visão de fotografias que revelavam os campos de concentração. As imagens suscitaram-lhe uma profunda comoção: "Quando olhei para aquelas fotos, algo quebrou dentro de mim". Suas críticas, seus pontos positivos e negativos passaram a analisar a ambivalência nos trabalhos fotográficos que trazem um mundo revelado, mas que também torturam a consciência; que suscitam um humanismo em alta para logo em seguida sugerir que todos os assuntos são objetos problemáticos. As suas análises trouxeram, e ainda trazem, reações diversas entre os aficionados da fotografia, pois sua perspectiva concisa espreita a verdade entre ambiguidades: entre o bonito e o feio; o real, o registro e a expressão, a evidência e a sua suposição.

Nossa Avant garde do pensamento moderno empunhou a bandeira de uma possível aventura fotográfica a partir de uma experiência pessoal livre que ela chama de "visão fotográfica" - ao mesmo tempo - comprometida com o processo fotográfico quando afirma que "fotografar é apropriar-se da coisa fotografada" pressupondo uma ideia de "poder" a partir da captura de imagens que revelam mundos que nem todos tem acesso e, portanto, o fotógrafo seria também um portador desses mundos visíveis para uns e invisíveis para outros. A nomeação de que "fotografias fornecem um testemunho" e "testemunham a dissolução implacável do tempo" estimula esse poder que tornou o fotógrafo, em certa medida, um guardião de seus eventos e esses eventos não deveriam sofrer intervenções: "a pessoa que interfere não pode registrar; a pessoa que registra não pode interferir". Contudo, a ideia de uma fotografia impessoal ou neutra também cedeu lugar ao pensamento de que todo fotógrafo tem, de modo inerente, uma interpretação do mundo, um páthos em relação ao assunto fotografado, tornando muito improvável a dissociação da fotografia da realidade subjetiva. Com muitos exemplos fotográficos citados no livro sem usar uma só imagem, Susan Sontag provocou a sensibilidade para os fenômenos que ela percebia nas mudanças da consciência e inteligência acerca da fotografia na era moderna que parece estar sempre entre ambiguidades.

Susan Sontag (1933-2004) foi uma americana literária de pensamento liberal, e absolutamente contra as políticas de guerra de seu país. Desde a década de 60 esteve muito envolvida com produções de aulas, romances e ensaios. Em 1977 recebeu excelentes críticas por On Photography.

SONTAG, Susan. Sobre fotografia, Editora Companhia das Letras, 2004.