quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Travessia poética pelo sertão mineiro, com Elza Cohen

novembro 26, 2020 | por Adriana Vianna



Ocupação Avilmar Ribeiro/ Comunidade dos povos tradicionais Geraizeiros no Vale das Cancelas (Distrito de Grão Mogol). Norte de Minas. Foto capturada em um evento do MAB "Território, água e energia não são mercadorias". 

Fruta do sertão cerrado do norte mineiro, sertão de Guimarães Rosa, a fotógrafa Elza Cohen traz na bagagem diversas culturas adquiridas em suas vivências entre Rio e São Paulo. Porém, suas origens mineiras predominam quando procurada para falar um pouco sobre seu trabalho junto às manifestações das populações que se organizaram para pressionar o Estado a fazer a demarcação do Território Geraizeiro do Vale das Cancelas, na sede do Município de Grão Mogol (MG). As manifestações realizadas pelos direitos negados aos atingidos pela barragem da Usina Hidroelétrica de Irapé e pelas monoculturas de eucalipto, foram acompanhados pela fotógrafa nas ações do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens). Reflexiva e poética, Elza conta que as fotos que possui são retratos de famílias com perfis muito sofridos, devastados, vulneráveis, e que não se sente à vontade para expô-los nesse momento de sua vida. Em troca, ela oferece a beleza do cerrado 







Atualmente, mais inspirada pela filosofia de Gandhi e Vandana Shiva, a fotógrafa deseja desenvolver trabalhos que possam refletir coisas boas, uma beleza no caos, uma beleza que possa ser fruto, pois "a dor passa e a beleza permanece" (Renoir), como é seu trabalho atual com os ensaios de videografias e fotografias remotas que pratica com outras mulheres que estão em isolamento por conta da pandemia, na busca de questões de aprendizado transformando sofrimento em algo positivo. No viés dessa prática, ela entrega seu olhar amoroso por sua terra natal e apresenta uma série de imagens com a essência poética do admirável bioma imensamente bonito e independente, porém castigado e ameaçado pelos grandes impactos ambientais e socioeconômicos. Depois da Amazônia, o Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil, ocupando Estados no Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste e que, pouco a pouco, vai desaparecendo por conta da ocupação agressiva da indústria. 






Território indígena Xakriabá - São João das Missões, extremo norte de MG. Foto capturada em evento comemorativo.

A vida que procura compreender a si própria não ignora que a existência humana é feita de escolhas e que essa vida se desenvolve logicamente no interior de esquemas conceituais que fornecem texturas. Nesse contexto, a razão pode ser buscada na resistência que o material fotográfico oferece, retirando o foco das tragédias para revelar uma região exótica que possui um ciclo próprio de seca e floração. São paisagens do sertão do cerrado ou em breve serão paisagens do ser tão serrado e ferrado. Entre a evolução industrial e a proteção do meio ambiente, está o homem, e o sofrimento e a beleza da terra que não cabem no pequeno espaço do cérebro capitalista.


Quando Guimarães Rosa escreveu "Grande sertão: veredas", o Brasil estava começando a se abrir para o mundo e o autor fez o movimento contrário, ele se voltou para o interior. Romancistas do mundo inteiro tratavam de temas de urbanidades e políticas, e Rosa se ocupava de perceber o homem no seu interior. É que o homem, em todos os sentidos, é um paradoxo. O sertão está dentro, o sertão está fora, por toda parte nas realidades materiais que tornam tangíveis as escolhas que faz. Os espaços vazios da terra, os desertos dos sertões, são espaços necessários para equilibrar a biodiversidade, as dualidades que geram terríveis tensões dentro dessa cultura que necessita tempo e espaço para encarar conflitos, processos e divisões, e reunir tudo novamente para fazer florescer a vida, porque é de vida que se trata e de seu comportamento diante do destino implacável que alcança. Mais que Deus e o Diabo, é o homem e a natureza, o homem e a cultura, o homem e a responsabilidade de travessia para superação, para atravessar um sertão com veredas.





Elza Cohen é fotógrafa e videógrafa. Trabalhou durante anos como produtora cultural e curadora musical no eixo Rio e Sampa. Hoje a fotografia é sua principal profissão, vive e trabalha na ponte São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, conciliando trabalhos comerciais e autorais. Com a pandemia, passou a desenvolver um trabalho remoto de foto e vídeo com outras mulheres à distância, "fotoEafeto", publicados frequentemente no Instagram.