quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Pioneira: Judy Chicago, artista entre fotografias

agosto 19, 2021 | por Adriana Vianna

Em março de 2021, trouxemos Judy Chicago para dentro do curso “Nu Feminino” e novamente a trazemos para dentro do curso “Corpo Feminino” não só pela relevância do trabalho feminista que a artista multimídia tem buscado desde os anos 60 para a liberdade cultural das mulheres, mas também por ser uma pioneira na inserção da fotografia dentro da linguagem híbrida de seu corpo de trabalho que celebra as conquistas femininas.

Judy Chicago nos anos 80

Judy Chicago é pioneira das artistas feministas que criaram espaço para a visibilidade do corpo feminino através da arte e também da apropriação da fotografia como parte integrante de um processo que guarda e preserva a memória das obras efêmeras a partir dos anos 60, quando houve ascensão da Land Art - um segmento artístico que não é possível expor dentro de galerias e museus, a não ser por meio das fotografias e filmagens. 

O historiador Andre Rouillé contorna esse enlace pela participação da fotografia no que ela se tornou um dos materiais possíveis da arte, se não um dos mais preferidos e até mesmo, exclusivo. Essa aliança deixou um caminho aberto, num mapa geral, para as artes das instalações e performances efêmeras. Com isso a fotografia, que tem linguagem própria, ganhou mais espaços em galerias, museus, e coleções do mundo inteiro. A razão, contorna Rouillé, deve ser encontrada na resistência que o material-fotográfico oferece em contrapartida ao opor-se à desmaterialização da arte no contexto pós moderno. 

Uma das provas dessa valorização tem sido a aquisição de fotografias pelos museus. 

Recentemente, foram publicadas em sua página oficial notícias que revelam que o Museu de Arte de Nevada adquiriu todas as fotografias que registraram as obras efêmeras da coleção “Smoke Bodies”.  O Museu Nacional de Mulheres nas Artes anunciou a criação do Arquivo Visual Judy Chicago, na Biblioteca e Centro de Pesquisa Betty Boyd Dettre do museu - o arquivo documentará a carreira de Chicago por meio de fotografias, slides, negativos e obras efêmeras impressas. Isso entre exposições visuais agendadas ainda para 2021 que celebram sua obra, cuja luta ao longo da vida foi contra a supressão e o apagamento da criatividade das mulheres e que, finalmente, deram uma volta completa.

Judy Chicago, desde os anos 60, trabalha com performances produzidas com máquinas de fumaça. Muitas vezes com corpos nus procurando transformar e suavizar a paisagem ela introduzia através das cores e fumaças o que ela chama de um impulso feminino no ambiente. Durante as performances, outras artistas recriavam atividades primitivas centradas na mulher: acender fogo ou a adoração de figuras de deusas. Chicago traz esse esforço para feminizar a atmosfera em uma época em que a cena artística do sul da Califórnia era quase inteiramente protagonizada pelos homens. 

Judy Chicago, Immolation, 1972, fogos de artifício, deserto da Califórnia, CA.
© Judy Chicago / Artists Rights Society (ARS), Nova York. Foto do acervo Through the Flower

Judy Chicago, Smoke Goddess / Woman with Orange Flares, 1972, fogos de artifício, Los Angeles, CA. © Judy Chicago / Artists Rights Society (ARS), Nova York. Foto do acervo Through the Flower

Artista entre Fotografias 

É interessante observar que as milhares de fotografias adquiridas pelos museus estão entre outras linguagens, tais como filmes, mapas, desenhos, maquetes, pinturas, configurando e protagonizando o imenso acervo artístico que, em muitos casos, só é possível saber que existiram e existem, por meio das fotografias. 

Hoje, com as inúmeras pesquisas sobre o conceitualismo nas mais diversas áreas, podemos constatar o quanto presente a fotografia esteve nos trabalhos dos artistas dos anos 1970 e somos levados a observar que não se tratava de um uso tão circunstancial quanto diziam os artistas na época, muito ao contrário. 

Nessa década, a imagem fotográfica passou a interessar aos artistas devido a muitas de suas propriedades: seja por sua presença no tecido social; por sua filiação às convenções da representação, seja por sua capacidade de registrar ações efêmeras e estabelecer uma ligação aparentemente direta com o mundo visível. 

Judy Chicago, Suzanne Lacy, Sandra Orgel e Aviva Rahmani (patrocinado pelo Programa de Arte Feminista da CalArts), Ablutions, 1972, performance com mídia mista, estúdio de Guy Dill, CA.
Foto do acervo Through the Flower

Artista Feminista Pioneira

Judith Sylvia Cohen, assumiu legalmente o sobrenome de sua cidade natal depois de ficar viúva aos 23 anos de idade, em 1970, passando a usar o nome artístico de Judy Chicago. 

Simbolizando sua luta pela identidade ao longo da vida, ela narra em Through the Flower: My Struggle as a Woman Artist (1975) que pretendia incentivar a liberdade para outras mulheres através de suas lutas e também a escaparem de algumas armadilhas que atrasam o desenvolvimento, criam expectativas inúteis nas quais mulheres vivem e repetem ao longo da história consolidando padrões centrados no ponto de vista patriarcal. Sua trajetória artística é um conjunto de ações que traspassam esse objetivo. 

Entre tantas ações, a obra-prima foi criada entre os anos 1974-1979 quando construiu “The Dinner Party”, uma obra de arte monumental concebida como uma história simbólica das mulheres na civilização ocidental. Contrariando estrategicamente o apagamento tradicional das conquistas femininas, esta instalação épica homenageia 1.038 mulheres icônicas, míticas, arquetípicas, históricas, e exemplifica seu esforço contínuo como artista, educadora e autora para elevar as mulheres das margens da sociedade e da história. A obra - em exibição permanente no Museu do Brooklyn - apresenta 39 pratos de cerâmica que representam mulheres famosas da história, e mais 999 nomes inscritos no chão.

Judy Chicago, The Dinner Party, 1974-1979, mídia mista, 48 x 48 pés, Elizabeth A. Sackler Center for Feminist Art, Collection of the Brooklyn Museum. © Judy Chicago / Artists Rights Society (ARS), Nova York Foto © Donald Woodman / Artists Rights Society (ARS), NY

Cada imagem é uma fotografia e podem ser apreciadas na íntegra e individualmente em sua página oficial

Judy Chicago, vista da instalação do Wing One, tiras Judith e Safo talheres de The Dinner Party, 1979, Elizabeth A. Sackler Center for Feminist Art, Collection of Brooklyn Museum. © Judy Chicago / Artists Rights Society (ARS), Nova York Foto © Donald Woodman / Artists Rights Society (ARS), NY


Panteão Poético e Político do Corpo Feminino

Na obra-prima “The Dinner Party”, Judy Chicago celebra a presença feminina nas mulheres mitológicas, deuses, filósofas, artistas da história da humanidade. São 39 nomes na grande mesa de 14 metros e mais 99 nomes inscritos no chão. A obra despertou polêmicas por conta dos pratos de cerâmica com formas semelhantes as partes íntimas femininas, entre outras questões. 

Na exposição, a fotografia está por toda parte protagonizando com as diversas linguagens artísticas que foram instrumentos e suportes para a realização conceitual da obra: O “Mural Fotográfico” expõe fotografias, desenhos, textos, detalhes do longo processo artístico e o grande “Mural de Reconhecimento” onde expõe fotografias das centenas de colaboradoras que ajudaram a construir “Dinner Party”.

É nesse campo que observamos o grande enlace entre a fotografia e a artista, a ficção e a vida real, onde figuras femininas históricas homenageadas por Judy Chicago estão junto as figuras femininas vivas e contemporâneas que colaboraram efetivamente para sua realização também homenageadas no grande mural do reconhecimento. Um verdadeiro panteão poético e político do Corpo Feminino. 

Esse Panteão Feminino estará no nosso curso Corpo Feminino na Fotografia e nas Artes que acontecerá no mês de setembro. 

Visualização da instalação dos Painéis de Reconhecimento do Jantar no Museu de Arte da UCLA Armand Hammer. © Judy Chicago. Foto © Donald Woodman / Artists Rights Society (ARS), NY

 Judy Chicago, Painel de Reconhecimento 1 do Jantar, Elizabeth A. Sackler Center for Feminist Art, Coleção do Brooklyn Museum. © Judy Chicago. Foto © Donald Woodman / Artists Rights Society (ARS), NY 

“The Dinner Party” foi planejado para ser exibido em uma grande sala escura, semelhante a um santuário, com cada ambiente iluminado individualmente, fazendo com que pareça ser composto por trinta e nove altares. Os 999 nomes, escritos em ouro, brilham suavemente, sugerindo um espaço sagrado ou liminar. A obra levou cinco anos em construção (1974-1979) e o produto do trabalho voluntário de mais de 400 pessoas, “The Dinner Party” é uma prova do poder da visão feminista e da colaboração artística. Foi também uma prova da capacidade de Chicago de criar uma obra de arte que falava com pessoas que antes não faziam parte do mundo da arte.

© Judy Chicago. Heritage Panel #3. Mural fotográfico colorido à mão 1/7. Dinner Party.  

Judy Chicago pintando em seu estúdio de pintura em porcelana, Santa Mônica, Califórnia.
Foto do acervo Through the Flower
Algumas funcionárias e colaboradoras do Jantar fotografados na exposição inaugural da obra, Museu de Arte Moderna de São Francisco, 1979. No fundo, um mural de fotos mostra a festa de 39 anos de Judy Chicago em julho de 1978 em seu estúdio em Santa Monica. Da esquerda para a direita, fileira de trás: Shannon Hogan, Mary McNally, Neil Olson, Judy Chicago; segunda fila abaixo: LA Hassing (anteriormente Linda Ann Olson), Kate Amend, Juliet Myers, Helene Simich, Sharon Kagan, Leonard Skuro; terceira fila abaixo: Thea Litsios, Elaine Ireland, Kathleen Schneider, Judye Keyes, Susan Hill, Diane Gelon, Anita Johnson; fila da frente (sentados no chão): Ann Isolde, Terry Blecher, Peter Bunzick. Foto do acervo Through the Flower

“Não desista. É muito importante confiar em seus impulsos como artista, não importa o que os outros digam”
Judy Chicago