Em março de 2021, trouxemos Judy Chicago para dentro do curso “Nu Feminino” e novamente a trazemos para dentro do curso “Corpo Feminino” não só pela relevância do trabalho feminista que a artista multimídia tem buscado desde os anos 60 para a liberdade cultural das mulheres, mas também por ser uma pioneira na inserção da fotografia dentro da linguagem híbrida de seu corpo de trabalho que celebra as conquistas femininas.
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Judy Chicago nos anos 80 |
Judy Chicago é pioneira das artistas feministas que criaram espaço para a visibilidade do corpo feminino através da arte e também da apropriação da fotografia como parte integrante de um processo que guarda e preserva a memória das obras efêmeras a partir dos anos 60, quando houve ascensão da Land Art - um segmento artístico que não é possível expor dentro de galerias e museus, a não ser por meio das fotografias e filmagens.
O historiador Andre Rouillé contorna esse enlace pela participação da fotografia no que ela se tornou um dos materiais possíveis da arte, se não um dos mais preferidos e até mesmo, exclusivo. Essa aliança deixou um caminho aberto, num mapa geral, para as artes das instalações e performances efêmeras. Com isso a fotografia, que tem linguagem própria, ganhou mais espaços em galerias, museus, e coleções do mundo inteiro. A razão, contorna Rouillé, deve ser encontrada na resistência que o material-fotográfico oferece em contrapartida ao opor-se à desmaterialização da arte no contexto pós moderno.
Uma das provas dessa valorização tem sido a aquisição de fotografias pelos museus.
Recentemente, foram publicadas em sua página oficial notícias que revelam que o Museu de Arte de Nevada adquiriu todas as fotografias que registraram as obras efêmeras da coleção “Smoke Bodies”. O Museu Nacional de Mulheres nas Artes anunciou a criação do Arquivo Visual Judy Chicago, na Biblioteca e Centro de Pesquisa Betty Boyd Dettre do museu - o arquivo documentará a carreira de Chicago por meio de fotografias, slides, negativos e obras efêmeras impressas. Isso entre exposições visuais agendadas ainda para 2021 que celebram sua obra, cuja luta ao longo da vida foi contra a supressão e o apagamento da criatividade das mulheres e que, finalmente, deram uma volta completa.
Judy Chicago, desde os anos 60, trabalha com performances produzidas com máquinas de fumaça. Muitas vezes com corpos nus procurando transformar e suavizar a paisagem ela introduzia através das cores e fumaças o que ela chama de um impulso feminino no ambiente. Durante as performances, outras artistas recriavam atividades primitivas centradas na mulher: acender fogo ou a adoração de figuras de deusas. Chicago traz esse esforço para feminizar a atmosfera em uma época em que a cena artística do sul da Califórnia era quase inteiramente protagonizada pelos homens.
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Judy Chicago, Immolation, 1972, fogos de artifício, deserto da Califórnia, CA. © Judy Chicago / Artists Rights Society (ARS), Nova York. Foto do acervo Through the Flower |
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Judy Chicago, Smoke Goddess / Woman with Orange Flares, 1972, fogos de artifício, Los Angeles, CA. © Judy Chicago / Artists Rights Society (ARS), Nova York. Foto do acervo Through the Flower |
Artista entre Fotografias
É interessante observar que as milhares de fotografias adquiridas pelos museus estão entre outras linguagens, tais como filmes, mapas, desenhos, maquetes, pinturas, configurando e protagonizando o imenso acervo artístico que, em muitos casos, só é possível saber que existiram e existem, por meio das fotografias.
Hoje, com as inúmeras pesquisas sobre o conceitualismo nas mais diversas áreas, podemos constatar o quanto presente a fotografia esteve nos trabalhos dos artistas dos anos 1970 e somos levados a observar que não se tratava de um uso tão circunstancial quanto diziam os artistas na época, muito ao contrário.
Nessa década, a imagem fotográfica passou a interessar aos artistas devido a muitas de suas propriedades: seja por sua presença no tecido social; por sua filiação às convenções da representação, seja por sua capacidade de registrar ações efêmeras e estabelecer uma ligação aparentemente direta com o mundo visível.
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Judy Chicago, Suzanne Lacy, Sandra Orgel e Aviva Rahmani (patrocinado pelo Programa de Arte Feminista da CalArts), Ablutions, 1972, performance com mídia mista, estúdio de Guy Dill, CA. Foto do acervo Through the Flower |
Judith Sylvia Cohen, assumiu legalmente o sobrenome de sua cidade natal depois de ficar viúva aos 23 anos de idade, em 1970, passando a usar o nome artístico de Judy Chicago.
Simbolizando sua luta pela identidade ao longo da vida, ela narra em “Through the Flower: My Struggle as a Woman Artist” (1975) que pretendia incentivar a liberdade para outras mulheres através de suas lutas e também a escaparem de algumas armadilhas que atrasam o desenvolvimento, criam expectativas inúteis nas quais mulheres vivem e repetem ao longo da história consolidando padrões centrados no ponto de vista patriarcal. Sua trajetória artística é um conjunto de ações que traspassam esse objetivo.
Entre tantas ações, a obra-prima foi criada entre os anos 1974-1979 quando construiu “The Dinner Party”, uma obra de arte monumental concebida como uma história simbólica das mulheres na civilização ocidental. Contrariando estrategicamente o apagamento tradicional das conquistas femininas, esta instalação épica homenageia 1.038 mulheres icônicas, míticas, arquetípicas, históricas, e exemplifica seu esforço contínuo como artista, educadora e autora para elevar as mulheres das margens da sociedade e da história. A obra - em exibição permanente no Museu do Brooklyn - apresenta 39 pratos de cerâmica que representam mulheres famosas da história, e mais 999 nomes inscritos no chão.
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Judy Chicago, The Dinner Party, 1974-1979, mídia mista, 48 x 48 pés, Elizabeth A. Sackler Center for Feminist Art, Collection of the Brooklyn Museum. © Judy Chicago / Artists Rights Society (ARS), Nova York Foto © Donald Woodman / Artists Rights Society (ARS), NY |
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Cada imagem é uma fotografia e podem ser apreciadas na íntegra e individualmente em sua página oficial |
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Judy Chicago, vista da instalação do Wing One, tiras Judith e Safo talheres de The Dinner Party, 1979, Elizabeth A. Sackler Center for Feminist Art, Collection of Brooklyn Museum. © Judy Chicago / Artists Rights Society (ARS), Nova York Foto © Donald Woodman / Artists Rights Society (ARS), NY |
Na obra-prima “The Dinner Party”, Judy Chicago celebra a presença feminina nas mulheres mitológicas, deuses, filósofas, artistas da história da humanidade. São 39 nomes na grande mesa de 14 metros e mais 99 nomes inscritos no chão. A obra despertou polêmicas por conta dos pratos de cerâmica com formas semelhantes as partes íntimas femininas, entre outras questões.
Na exposição, a fotografia está por toda parte protagonizando com as diversas linguagens artísticas que foram instrumentos e suportes para a realização conceitual da obra: O “Mural Fotográfico” expõe fotografias, desenhos, textos, detalhes do longo processo artístico e o grande “Mural de Reconhecimento” onde expõe fotografias das centenas de colaboradoras que ajudaram a construir “Dinner Party”.
É nesse campo que observamos o grande enlace entre a fotografia e a artista, a ficção e a vida real, onde figuras femininas históricas homenageadas por Judy Chicago estão junto as figuras femininas vivas e contemporâneas que colaboraram efetivamente para sua realização também homenageadas no grande mural do reconhecimento. Um verdadeiro panteão poético e político do Corpo Feminino.
Esse Panteão Feminino estará no nosso curso Corpo Feminino na Fotografia e nas Artes que acontecerá no mês de setembro.
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Visualização da instalação dos Painéis de Reconhecimento do Jantar no Museu de Arte da UCLA Armand Hammer. © Judy Chicago. Foto © Donald Woodman / Artists Rights Society (ARS), NY |
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Judy Chicago, Painel de Reconhecimento 1 do Jantar, Elizabeth A. Sackler Center for Feminist Art, Coleção do Brooklyn Museum. © Judy Chicago. Foto © Donald Woodman / Artists Rights Society (ARS), NY |
“The Dinner Party” foi planejado para ser exibido em uma grande sala escura, semelhante a um santuário, com cada ambiente iluminado individualmente, fazendo com que pareça ser composto por trinta e nove altares. Os 999 nomes, escritos em ouro, brilham suavemente, sugerindo um espaço sagrado ou liminar. A obra levou cinco anos em construção (1974-1979) e o produto do trabalho voluntário de mais de 400 pessoas, “The Dinner Party” é uma prova do poder da visão feminista e da colaboração artística. Foi também uma prova da capacidade de Chicago de criar uma obra de arte que falava com pessoas que antes não faziam parte do mundo da arte.

© Judy Chicago. Heritage Panel #3. Mural fotográfico colorido à mão 1/7. Dinner Party.
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Judy Chicago pintando em seu estúdio de pintura em porcelana, Santa Mônica, Califórnia. Foto do acervo Through the Flower |
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Algumas funcionárias e colaboradoras do Jantar fotografados na exposição inaugural da obra, Museu de Arte Moderna de São Francisco, 1979. No fundo, um mural de fotos mostra a festa de 39 anos de Judy Chicago em julho de 1978 em seu estúdio em Santa Monica. Da esquerda para a direita, fileira de trás: Shannon Hogan, Mary McNally, Neil Olson, Judy Chicago; segunda fila abaixo: LA Hassing (anteriormente Linda Ann Olson), Kate Amend, Juliet Myers, Helene Simich, Sharon Kagan, Leonard Skuro; terceira fila abaixo: Thea Litsios, Elaine Ireland, Kathleen Schneider, Judye Keyes, Susan Hill, Diane Gelon, Anita Johnson; fila da frente (sentados no chão): Ann Isolde, Terry Blecher, Peter Bunzick. Foto do acervo Through the Flower |
“Não desista. É muito importante confiar em seus impulsos como artista, não importa o que os outros digam”
Judy Chicago