
A imagem de roupas, sapatos e objetos pessoais encontrados na lama - e ainda na lama - sobre a terra seca em seus tons ocres dourados ao sol, sugere a presença quente na memória de corpos ausentes que parecem ocupar as formas. A calça comprida de cor azul claro combina com a blusa azul-marinho e um pé de bota. Ao lado, um vestido florido cor-de-rosa parece mais infantil quando visto acima do par de sapatos de uma mulher adulta. Essa criança que não cresceu, roubada dos sonhos da vida, ergue a voz na nossa memória. No documento visual, por si só representativo de uma geração mineira que há poucos anos sofreu traumas tão fortes que ainda nos deixam perplexos. Não bastasse a imagem sozinha em sua eloquente expressão silenciosa e íntima, temos a reportagem que a jornalista Amanda Rossi escreveu para nos dar detalhes de como tudo ocorreu pelo ponto de vista das vítimas. O diálogo entre imagem e palavra oferece uma lacuna para a eterna reflexão da relação do homem com o meio ambiente e com a sociedade. O texto visual “Fragmentos de vida e morte” está impregnado das histórias reveladas no texto escrito. Não são histórias literárias que, por tantas vezes, são frutos do nosso hibridismo entre real e a ficção ou aquelas que criamos quando olhamos para fotos como essa, documental com terrível potência poética. As histórias que estão no texto escrito por Amanda Rossi são reais, como as roupas na fotografia, são também histórias íntimas porque aconteceram no nosso quintal. Há relevância suficiente em colher essas narrativas visuais e orais para transformá-las em História - não para amansar o passado nesse amontoado de fatos, mas para dar a ele esse justo espaço existencial que seja humano e histórico.
Com “Fragmentos de vida e morte”, Amanda Rossi conquistou a Menção Honrosa na categoria Produção Jornalística em Texto, no 42º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.
Considerado entre as mais significativas distinções jornalísticas do país, o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos reconhece, desde a sua primeira edição, concedida em 1979, trabalhos que valorizam a Democracia e os Direitos Humanos. Em 2020, ano de sua 42ª edição, contou com novo recorde histórico de inscrições: foram 1.060 produções inscritas em seis categorias: Artes (ilustrações, charges, cartuns, caricaturas e quadrinhos), Fotografia, Produção jornalística em texto, Produção jornalística em vídeo, Produção jornalística em áudio e Produção jornalística em multimídia.
Amanda Rossi é jornalista, trabalhou na BBC, Tv Globo, Estadão; é autora do livro "Moçambique, o Brasil é aqui". A jornalista pode ser encontrada no seu Twitter @amanda_rossi.