quinta-feira, 29 de outubro de 2020

“Mineiros”, de Amanda Dias, mostra ausências nas regiões de mineração

outubro 29, 2020 | por Adriana Vianna

O trabalho documental da fotógrafa será exibido nos próximos meses em Festivais Nacionais


O primeiro contato com o tema da mineração foi há 5 anos quando ainda trabalhava como fotógrafa freelancer em eventos. Em pouco tempo, de um modo crucial, ela foi trabalhar em Mariana algum tempo depois da tragédia do rompimento da barragem de rejeitos, foi fotografar em Paracatu de Baixo, Bento Rodrigues e Gesteira, em 2018 - um dos primeiros trabalhos de fotojornalismo que fez e com ele sofreu um grande impacto ao encontrar os lugares devastados pela lama. Ela conta que, desde então, uma frase de Leon Tostói citada por seu professor Rafael Ciccarini, que já lhe inspirava, passou a consolidar seu trabalho: "Se queres ser universal, começa por pintar a sua aldeia".

Entre 2018 e 2019, eleição da direita no país, Amazônia ardendo em chamas, Brumadinho afogado na lama - Amanda Dias, jovem fotógrafa mineira de Belo Horizonte, queria gritar o que estava sentindo e falar do seu convívio na aldeia dos desaparecidos; queria encontrar uma forma de registrar tudo que estava acontecendo ao seu lado, no seu Estado. Das fotografias com visão documental partiu para a filmagem de um documentário, consolidando a voz silenciosa das imagens. Se as fotografias são silêncios que falam, no trabalho da fotógrafa, são silêncios que mostram ausências nas regiões da mineração. 




Passando os olhos pelas paisagens abandonadas das regiões de Mariana e Brumadinho podemos sentir a evasão da vida humana. Ela conta que não saberia falar tão bem com as palavras o que sempre sentiu com as imagens, e portanto, não teve dúvidas sobre filmar sem narrativas orais. Desse modo, apresenta um trabalho visual de precisão documental, registros sem interferência, um retrato da ausência; da ausência também de palavras diante de um absurdo tão grave que o Estado viveu e ainda deve lembrar. Influenciada pelo trabalho e pensamento da fotógrafa Ísis Medeiros, procura a importância da imagem de informação para ser fiel à verdade que vê e quer comunicar.

Sentindo, nos espaços silenciosos, a sensação de estar lá quando as pessoas foram retiradas de suas casas, Amanda, com a câmera, anota cenas e objetos pessoais intactos, congelados no tempo, lembrando das pessoas que não puderam fazer as malas porque foram obrigadas a deixar tudo que tinham, deixaram tudo, deixaram também as chaves, e nutrem a esperança de voltar. Um sentimento muito estranho nos atravessa, é um tipo de partida que não foi, um tipo de despedida sem ida. As pessoas não foram embora, elas não se despediram, elas foram expulsas de seus lares e não podem voltar, ela conta.







Essa estranheza vem de saber, de um jeito ou de outro, que a ausência na imagem é também uma forma de representar alguma coisa que implica a desvalorização, o cancelamento, e isso nos conduz a refletir sobre o papel designado de tais práticas violentas da sociedade, quando avaliamos efetivamente o que é fotografado na sua invisibilidade. Invisíveis e presentes, eles ainda estão lá, nos espaços deixados para trás, impedidos de acesso aos seus lares e atravessados pelo mal estar do desaparecimento nesses lugares que o documentário confere valor, pois tudo que existe, existe em algum lugar, e isso parece ligar a autoconfiança e o pertencimento.

É no processo de longa duração de erradicação e monopolização da violência que é necessário inscrever a importância crescente adquirida pelas lutas de representações nas quais esse documento se encontra, esse papel de conservar na fotografia o passado que está presente, e que pode auxiliar numa melhor apreensão da realidade na qual está em causa uma ordenação injusta da própria estrutura social que foi flagrada, fotografada, na relação com a ausência não escolhida, mas imposta.

Em outras palavras, são os vestígios da existência que insiste na memória da perda da identidade, uma vez expulsos de suas expressões simbólicas e culturais, recolhidos de suas relações afetivas e históricas,  removidos de seus lares - foram tornados invisíveis, inexistentes, porque é mais fácil para as empresas lidar com o cancelamento dos povos e se ausentar, do que lidar com a recuperação da realidade afetada pela desgraça e devolver suas vidas, suas casas, suas terras, suas raízes, seus afetos. O documentário de Amanda é um servidor dessa memória, como diria Baudelaire, mas também é uma obra singela como uma flor que suporta um espinho, um espinho que fala e faz sentir que nem todo jardim brasileiro possui bons jardineiros. 





Amanda Dias é fotógrafa do BHAZ Portal de Notícias e atualmente participa do projeto Fotografias por Minas. Pode ser encontrada no Instagram @amandazvdias . Seu doc já foi exibido para as populações das regiões afetadas e poderá ser visto nos próximos meses em Festivais Nacionais.







Mineiros, Amanda Dias |23'|

Direção e fotografia: Amanda Dias
Produção: André Castro
Montagem: Diego Souza
Trilha Sonora: Abu
Elenco principal: Amarair Paulo de Morais.

Onde e quando será exibido: 

Festcurtas  de 28 a 30 de outubro.
Lumiar Festival  de 3 a 9 de novembro.
Forumdoc  de 19 a 28 de novembro.
Cine Beiras d'Água  de12 a 28 de novembro.